QUASE PERFEITO
Ninguém sabia o que eu tinha dentro da garrafa, no bolso do manto. Eu esperava escondido perto da casa, até Lurdes sair com o carro.
Na cozinha achei a marmelada, eram só dois vidros. Lurdes havia reclamado das poucas amoras silvestres, naquele ano. Todos os vizinhos compravam das marmeladas que ela fazia.
Abri os dois vidros e despejei dentro o suco, remexendo com vigor até dissolver, depois torci bem a tampa outra vez. O suco eu havia obtido das ameixas negras venenosas, erva moira a Solanum Nigrum. Apenas algumas gotas já ocasionam parada cardíaca. Era o crime perfeito. Se alguém desconfiasse de sua morte, iria atribuir culpa para seu pote de marmelada, ela havia confundido com as amoras silvestres. A cor roxa e aparência é a mesma.
Eu fiz e já era tempo. O pai doente, com pouco tempo de vida e minha madrasta Lurdes era a herdeira de tudo. Minha mãe faleceu no dia que nasci. Foi Lurdes que me criou e cuidou de mim. Estou desempregado e preciso do dinheiro. Tenho medo que minha noiva Carmem me abandone, pois nada tenho para lhe oferecer.
No dia seguinte, Carmem veio nos visitar e preparou panquecas com geleia.
— Deliciosas suas panquecas Carmem!
— Sim, a marmelada de Lurdes tem sempre gosto bom. Ela me deu de presente alguns vidros.
Comecei a tremer, havíamos comido da marmelada envenenada.
— Precisamos ir imediatamente no hospital, fazer uma lavagem estomacal.
Eu corri para a cozinha para destruir o outro vidro de marmelada, para ninguém desconfiar nem deixar provas que fui o autor do crime de assassinato. Mas o vidro não estava mais lá.
No hospital fizemos uma lavagem de estômago a toa.
Carmem contou depois que era marmelada do ano anterior usada no recheio das panquecas.
— Que foi que voce fez? Desapareça da minha frente, seu criminoso!
No outro hospital Lurdes estava no quarto ao lado do meu pai, já morto.
Sobre a mesa perto da cama, no prato estavam algumas fatias de pão, com a marmelada temperada por mim e o vidro consumido pela metade.
Lurdes expulsou-me do lugar: — Nunca mais quero ver sua cara na minha frente, voce queria me matar só para ficar com o dinheiro da herança de seu pai, que já estava no fim! Terá que viver com essa culpa o resto de sua vida!
Assim eu perdi minha noiva, minha madrasta, meu velho pai e ainda fiquei sem o dinheiro.
Era um crime quase perfeito. . .
FIM
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