O elemental de botas.
Já era bem noitinha quando fomos nos deitar. Deixei meus livros de lado; o sono vinha chegando.
Mamãe foi até a sala e apagou o lampião. Grilos faziam aquela sinfonia tão natural na zona rural onde morávamos. Alguns sapos também coaxavam em competição com eles.
O vento era amigo do silencio marcante, trepidando na veneziana do quarto.
A cama estava um pouco fria, na verdade o mês de junho no interior de São Paulo era frio antigamente.
Fiz minha oração e o sono veio.
Mas, passos fortes do lado de fora pisando em cadencia ritmada fizeram-me abrir os olhos e permaneci estatelada na cama sentindo um medo cruel subir cada vértebra da minha medula.
O medo infelizmente dominava meus sentidos embutido nos meus quinze anos. O passos continuaram ao redor da casa distanciando-se até a frente da varanda.
Respirei aliviada. Quem sabe aquele intruso tinha ido embora.
Virei de lado na cama, mas com enorme sobressalto ouvi a janela da cozinha feita em vitro, dar aquele estalo, como se alguém estivesse abrindo-o.
Como era possível se todos dormiam e para chegar na cozinha algum irmão teria que ter passado em frente a porta do meu quarto e acendido a lamparina? Tudo estava escuro.
Pensei em chamar pela mãe mas o medo era tão grande que continuei estática e sem voz.
Foi aí que tudo aconteceu...Ouvi perfeitamente alguém batendo com os saltos como se fossem de botas, em cima da mesa de madeira que ficava em baixo dessa janela e logo aquele barulho de cair no chão do piso de granito. E.. passo por passo ouvi-os se aproximando de mim.
Meus Deus !! Eu não conseguia gritar e pedir socorro. Alguém tinha invadido nossa casa . Precisava avisar.
No entanto os passos ensurdecedores vieram em direção da minha cama. Não podia ser verdade, mas o pior é que era.
Sabe aquele medo demoníaco que de repente vira coragem?
Foi bem isso que aconteceu. .Aquele ser estava agora bem ao meu lado na cabeceira da cama. Eu precisava agir.
Então descobri a cabeça, tinha que saber quem tinha chegado até ali e porque.
Vestindo a roupa da coragem, olhei.
Ele devia ter mais ou menos um metro e alguma coisa usava um chapéu de abas largas e as botas que calçava vinham ate suas coxas.
Olhou pra mim como se quisesse minha amizade, sabe aquele lance do "eu gosto de você e vim fazer-lhe uma visita''?
Foi desse jeitinho!
Meu coração batia a quinhentos por segundo e só sai da letargia absurda quando um grito vindo, das mais profundas cavernas do meu ser aconteceu.
Foi fora da realidade, foi de outra dimensão!!
Ouvi instantaneamente minha mãe, acompanhada dos outros se jogarem pelo corredor acendendo fósforos para visualizar o caminho vindo na direção do meu quarto.
__Oque aconteceu ? Uns estavam arrastando as cobertas e outros acendendo velas para iluminar o quarto.
Mas...não havia mais ninguém Ele havia partido
Só murmurei:
__Um homem de botas pulou a janela e entrou aqui no meu quarto.
Minha mãe examinou tudo e sentou-se na beirada da minha cama.
Estava pálida como a casca do ovo e quase sem voz falou:
__Tania...olha só, aqui não tem ninguém, você sonhou.
__Não mãe eu juro, estava acordada e ele estava aqui!
Daí descrevi como o ser estava vestido e que parecia querer ser meu amigo mas que, tive muito medo.
Depois da agua com açúcar e varias velas acessas voltamos a dormir.
Ahh.. nenhuma janela estava aberta, só existia mesmo o canto dos grilos e o coaxar dos sapos pela madrugada solitária.
Zoaram muitos anos com a minha cara, principalmente João meu irmão caçula.
Só depois de algumas décadas ele voltou.. Digo, esse ser daquela noite fria.
E vou contar-lhes um segredo; hoje somos amigos e ele já esteve comigo em algumas caminhadas.
Orientou-me no meu primeiro livro* Mistério e Magia* É meu
elemental intercessor. Companheiro e orientador!
Uma graça de criatura a quem hoje me desculpo e presto minha homenagem com imensa gratidão.
Ravagnani S.C.