O compromisso inadiável
Quatro da manhã, estrada deserta, mata fechada de um lado e outro do caminho. Julian tinha pressa, precisava chegar ao povoado bem cedo, pois a carga que transportava na caçamba da velha picape tinha hora certa para ser entregue. Foi então que o motor fez um ruído estranho e ele sentiu que estava perdendo potência.
- Diacho! - Exclamou, parando no acostamento.
Pegou uma lanterna no porta-luvas e desceu do veículo. A noite estava fria e estrelada, sem nuvens e sem lua. Estava talvez a 10 ou 12 km de distância do povoado, e àquela hora da madrugada era improvável que alguém passasse por ali para prestar socorro. Olhou para a tela do celular: sem sinal. Balançou a cabeça, mal conseguindo conter a irritação, e segurando a lanterna entre os dentes, abriu o capô. Depois, começou a mexer nos cabos da bomba de combustível, ver se algum havia se soltado. Estava entretido nessa tarefa quando ouviu distintamente alguém pigarrear às suas costas. Voltou-se, assustado, lanterna na mão direita.
À sua frente estava um rapaz de terno branco, sorrindo, mãos erguidas.
- Não quis assustá-lo! - Exclamou o estranho.
- Homem! Quase tive uma parada cardíaca - replicou Julian. - A estrada está deserta... de onde você saiu?
- Estava passando, vi as luzes da sua picape. Imaginei que precisava de ajuda.
- Se você entende alguma coisa de mecânica, talvez - duvidou Julian.
- Vamos tentar? Vá para dentro, e quando eu der sinal, você dá a partida.
Julian fez como lhe havia sido orientado. Sentou-se atrás do volante e aguardou, tenso. Como o capô estava levantado e a lanterna estava com o estranho, não podia ver o que ele estava fazendo. Mas, finalmente, veio a ordem:
- Tente agora!
Julian ligou a chave, e o motor pegou de primeira. O capô foi baixado, e o rapaz aproximou-se pelo lado do motorista para devolver a lanterna.
- Não sei para onde está indo, mas posso lhe dar uma carona agora - ofereceu Julian, aliviado.
- Não precisa, estou bem perto de casa - replicou o rapaz, sorrindo. - Vá com Deus!
Julian agradeceu novamente e engatou uma primeira. Havia uma curva à frente, e logo perdeu o estranho de vista.
Meia hora depois, chegou ao endereço que haviam lhe dado na transportadora. E, como haviam lhe dito, estavam dois homens à sua espera, à frente do estabelecimento.
- Correu tudo bem? - Indagou um deles, apanhando a documentação que Julian lhe entregou.
- O motor morreu na estrada, mas consegui ajuda - comentou o motorista.
- Posso dar uma olhada, ver se está tudo em ordem antes de desembarcar? - Perguntou o outro.
- Claro, sem problemas.
O segundo homem subiu à caçamba da picape e desceu pouco depois.
- Tudo em ordem. Vamos levar para dentro.
- Querem ajuda? - Indagou Julian.
- Se não se importa...
Subiu na caçamba e ajudou a empurrar o caixão - pois era essa a carga - para fora. Depois, com o segundo homem, segurou uma das alças traseiras e conduziu o ataúde para dentro do salão da funerária, já devidamente decorado para o velório. Os três homens colocaram o caixão sobre dois cavaletes cobertos por uma toalha branca, e foi então que Julian olhou para o retrato em meio a vasos de flores, no fundo do aposento. Engoliu em seco.
- É o morto?
- Esse mesmo que você acabou de trazer - replicou o primeiro homem.
Julian o reconheceu: era o rapaz que o ajudara na estrada, usando o mesmo terno branco da foto.
- [29-04-2020]