OS PASSOS DO ANOITECER

- Toma aqui, vai até o escritório e leva esse chá pro patrão – ordenou Zoraide.

Maria estava escorada em um dos cantos da mesa de madeira, seus olhares indicavam estar bem distante dali, pensando em qualquer outra coisa que não fosse os seus afazeres naquela casa onde estava trabalhando recentemente.

- Ei menina, não ouviu o que eu disse?

Maria sacolejou a cabeça como se estivesse despertando de um agonizante pesadelo.

- Ah, me desculpe eu... Eu estava pensando nas coisas que você me contou sobre essa casa e...

- Se quer mesmo esse emprego e se quer continuar nessa casa, faça o seu serviço e esqueça toda essa história, pro seu bem – aconselhou Zoraide.

Maria tomou a bandeja em suas mãos e foi em direção até o escritório de Afonso.

A porta do escritório estava entre aberta e havia um homem conversando com Afonso.

- Esta tudo certo para hoje à noite?

- Sim patrão, fiz tudo como o senhor ordenou.

- Ótimo.

Maria permaneceu parada no corredor de maneira que sua presença não fosse notada e ficou atenta a conversa.

- Esta aqui como combinamos – disse Afonso ao entregar um pequeno envelope dobrado ao meio.

- Agradecido patrão – respondeu o homem.

Maria esbarrou no homem que estava saindo do escritório quase provocando a queda da bandeja.

- Com licença, aqui esta o seu chá.

- Ah sim, pode deixar ai.

Maria colocou a bandeja sobre a mesa do escritório e saiu.

- Eita mais que demora heim menina.

- Zoraide vai acontecer alguma coisa essa noite nessa casa e a gente precisa descobrir o que é – disse Maria ao chegar esbaforida na cozinha.

- Mais o que é isso menina? Que conversa é essa você não se emenda mesmo heim. Eu já te disse pra ficar na sua, não se mete onde não é chamada.

- Não Zoraide, eu ouvi a conversa e...

- Você não tem que ouvir nada, você esta aqui para fazer seu serviço. Quantas vezes eu vou ter que te falar isso.

- Eu posso estar errada, posso estar maluca, mas... Eu vou descobrir e você vai me ajudar, a gente precisa saber o que se passa com o senhor Afonso. Não é possível que anos trabalhando aqui você não tenha notado nada de diferente nessa casa.

Zoraide puxou uma das cadeiras e sentou-se.

- Desde que o senhor Afonso perdeu a esposa ele nunca mais foi o mesmo e essa casa também nunca mais foi à mesma. Ele se transformou em um homem calado, solitário, não tem divertimentos, pouco sai de casa.

- E o que isso tem a ver.

- Eu quero te dizer pra deixar o senhor Afonso em paz, ele é um homem bom, uma pessoa de coração enorme, mas não seria capaz de te perdoar se soubesse que esta se metendo na vida dele.

- Então quer dizer que você não vai me ajudar?

- Eu já tenho uma certa idade Maria, mais ainda não estou louca, não conte comigo.

- Tudo bem. Eu vou resolver isso sozinha e você ainda vai ver que eu tinha razão.

Depois de saírem do serviço, por volta das dezoito horas, Maria decidiu não ir para sua casa. Ficou de prontidão escondida esperando seu Afonso sair.

As horas foram avançando entrando madrugada adentro.

Fazia frio e uma leve garoa caia naquele momento.

Já era madrugada quando as luzes da casa de seu Afonso foram se apagando, uma a uma.

Ate que então ele apareceu do lado de fora da casa. Olhou de um lado para o outro na escuridão sombria daquela noite e fechou a porta principal da casa. Estava trajado em um longo casaco de cor verde escuro, calça comprida que parecia um tanto desajustada para o seu tamanho, sapatos pretos e usava ainda um chapéu. Em seus braços carregava algo que Maria, naquele momento, ainda não conseguia ver com clareza.

Afonso então começou a caminhar a passos rápidos.

Maria vinha atrás, tomando sempre cuidado para que não fosse vista.

Depois que algum tempo caminhando, Maria já estava ofegante e já demonstrava sinais de cansaço. Acabou perdendo Afonso de vista que sumiu em meio à obscuridade noturna.

- Droga! – esbravejou.

Naquele momento ela se viu sem saída, mas sabia que se quisesse mesmo desvendar o tal mistério não poderia desistir ali.

Andou mais um pouco e avistou que logo mais a frente havia um cemitério, bem antigo, o único da cidade. Foi até lá. O portão de ferro estava aberto pela metade, no chão, uma corrente arrebentada e um cadeado grande partido. Percebeu que havia algo se movimentando do lado de dentro e decidiu entrar. Com um pouco de dificuldade empurrou o portão enferrujado para que pudesse adentrar ao local com mais facilidade. Começou a caminhar por entre os túmulos, desviando-se de entulhos que havia ali por toda a parte. A luz fraca de sua lanterna pouco lhe ajudava naquela aventura. Após mais alguns passos viu um homem próximo a um dos túmulos, estava agachado, parecia fazer alguma força, pelas roupas Maria evidenciou que era Afonso. Foi se aproximando cada vez mais, bem devagar, mas tamanho cuidado não conseguir fazer que não tropeçasse em um balde velho.

- Merda! – gritou.

Após recuperar-se do pequeno acidente, voltou fixamente seu olhar em direção ao local onde anteriormente estava Afonso e notou que não havia mais nada ali.

- Não acredito, mais uma vez eu o perdi de vista.

Naquele momento, Maria sentiu a presença de alguém por trás dela.

- O que faz aqui?

- Seu Afonso! – exclamou em tom de espanto e medo ao mesmo tempo.

- Ainda não respondeu a minha pergunta – insistiu ele.

- Eu é que pergunto ao senhor, o que faz aqui à uma hora dessas? Não tem medo de ficar aqui no cemitério a essa hora da madrugada, esse lugar é horrível.

Ele então respondeu:

- Sim, eu tinha muito medo de estar aqui. Mas somente quando eu era vivo!

Luccas Nascimentto
Enviado por Luccas Nascimentto em 23/11/2019
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