Dançando ao som de cristal
O caso aconteceu numa noite muita fria, num sábado congelante, quando duas amigas, Melinda e Lílian, combinaram de se encontrar num restaurante chamado Som de Cristal. O restaurante era um dos melhores da cidade, havia boa comida e música ao vivo de qualidade, especialmente para quem gostava de músicas antigas. Elas precisavam se encontrar porque no dia seguinte, Lílian viajaria para fazer um curso de especialista no exterior. Lílian era solteira, 33 anos, pesquisadora de uma faculdade privada, precisava do certificado do curso para se manter no cargo. Melinda, uma jovem de 32 anos, era viúva, tinha duas crianças, o finado sofreu um grave acidente de carro e ela ficou sozinha. De amiga só tinha Lílian que foi sua colega de curso na graduação. Assim, naquele sábado frio, as duas se encontraram para colocar a conversa em dia e Melinda cujo apelido era Mel, falava sobre o fato de estar sozinha e da dificuldade em encontrar alguém que quisesse um relacionamento sério.
- Ah, Lili, os caras se aproximam de mim apenas para quererem sexo casual e não é isso que quero, não vou ficar passando de mão em mão. Prefiro ir descartando e ficar sozinha.
- Acho que você, Mel, precisa se desligar desse assunto e focar na vida profissional até porque a pensão que recebe não é muita, é preciso voltar ao trabalho, só assim, vai se desligar desse assunto.
- Por enquanto, Lili, não posso, as crianças são pequenas, mas você tem razão, nos dias atuais, não dá pra ficar vivendo de romantismo e ilusões.
Mudando de assunto, olha que cara estranho está entrando e que roupa esquisita, será que ele vem de algum baile de bruxos?
- Opa! É mesmo, olha só, ele pendurou o sobretudo e está usando uma camisa de cetim preta com laço na gola e usa botas muito reluzentes, ridícula essa roupa.
- Vamos baixar a cabeça, ele deve sentar nessa mesa próxima da nossa, disse Mel envergonhada por causa da risada que Lili havia dado ao comentar sobre a roupa do desconhecido.
O homem se encaminhou para a mesa ao lado da delas e pediu uma bebida quente. Lili, a mais extrovertida, comentou baixinho com Mel:
- Mas que sujeito horroroso, Mel. É seco de tão magro, você viu? Os ossos da face parecem apenas recoberto pela pele e a cor? Super pálido. De onde será que saiu essa figura?
- Fala mais baixo, Lili, o homem está te olhando e parece estar com interesse.
Lili disse então que iria ao toalete, já que tinha um forte senso de humor e precisava controlar a vontade de rir. Rir da intimidação da amiga. E lá se foi toda faceira sem olhar para o homem. Deu um tempo por lá e quando foi voltando, qual não foi sua surpresa, o sujeito estava próximo e foi logo perguntando:
- Será se a flor da noite poderia me dá o prazer de me acompanhar nessa dança?
A forma como o homem pediu causou estranheza em Lili visto que esse tipo de linguagem não é comum no meio que frequenta. Ela pensou um pouco e respondeu:
- A música é bonita, vamos lá, aceito.
A música tocada era instrumental e foi tema do filme 'Em algum lugar do passado'. Enquanto dançavam, Lili percebeu os olhos grandes e fundos do homem e uma palidez muito estranha, notou também que ele usava luvas de couro, de repente, seus pensamentos foram interrompidos por perguntas que ele lhe fez sobre nome, profissão e bairro onde ela morava. Ela respondeu a todas e fez as mesmas perguntas a ele. Muito sério, ele respondeu:
- Moro no cemitério, minha profissão, enterrar corpos, meu apelido é Lulu, mas pode me chamar de Lúcifer.
Nesse momento, Lili saiu correndo, foi à mesa e disse à amiga:
- Paga rápido e corre, vou te esperar lá fora, o cara é do outro mundo, dancei com um espírito mal. Nisso, Mel chamou o garçom, pagou a conta e saiu às pressas para fora do recinto. Lili, muito assustada, a esperava no carro, quando Mel entrou, o sujeito segurou um pouco a porta e disse:
- Bela madrugada, Lili, mais tarde, teu Lulu vai te aquecer nos sonhos, não sentirás frio esta noite, bela donzela.
Lili pisou no acelerador tão forte que mais adiante, o carro capotou. Ambas acordaram no hospital falando palavras sem sentido totalmente, perturbadas.