CONTO DO ALÉM
“Carpe diem. Aproveitem o dia, meninos. Façam
de suas vidas uma coisa extraordinária."
Sociedade dos Poetas Mortos
Naquela época, por volta de 1965, eu morava em Fortaleza em companhia de minha filha Ana Maria que acabara de completar 17 anos de idade. Eu sofria de uma doença grave e precisava ser submetida a uma intervenção cirúrgica com certa brevidade. O médico, Dr Lameira, me alertara que seria uma intervenção de muito risco e que eu me preparasse para o que der e viesse. E como me preparei! Preparei-me muito mais para a vida e, em nenhum momento, me preparei para a morte. Orava com afinco, implorava pela vida à Nossa Senhora de Aparecida e ao Menino Bom Jesus de Praga.
Certo dia, durante o período pré- operatório, eu estava sozinha em casa já que Ana Maria estava na escola, batem palmas à porta e fui atender ao chamado. Era um jovem rapaz de pele corada, belo aspecto, cabelos castanho claro, uma farta cabeleira, um sorriso acolhedor que mostrava dentes perfeitos. O rapaz irradiava simpatia e despertava confiança. Após um breve diálogo de apresentação, ele era sargento da aeronáutica, estava passando na rua onde eu moro e escutara uma vizinha comentando com outra a respeito de minha situação de saúde. Convidei-o para entrar. Sentamo-nos e o escutei atentamente a respeito do que o mesmo tinha a me falar. Ele foi direto ao assunto:
- Dona Santana – este é o meu nome – tenho algo muito importante para lhe informar: a senhora será bem sucedida em sua operação se respeitar ao que tenho a lhe dizer. Durante sete segundas feiras a senhora fará uma visita a um túmulo que vou lhe indicar existente no Cemitério São João Batista e rezará um terço na intenção do falecido. Não tenha medo, ele irá interceder junto ao Menino Jesus de Praga e à Nossa Senhora de Aparecida em sua intenção. A senhora será curada. O nome do falecido é José Romão Aires de Moura. O túmulo fica na segunda quadra à direita, a senhora verá uma cruz e a imagem de um anjo ajoelhado ante a cruz. Dito isto o rapaz se despediu e me desejou boa sorte.
Conforme o combinado, compareci ao cemitério São João Batista na primeira segunda feira. Foi fácil encontrar o túmulo de José Romão e, ao conferir a fotografia, que surpresa! Era a foto do rapaz que me visitara dias atrás. Iniciei o terço na intenção daquele belo rapaz. Mal terminara a oração, um pouco afastado, o mesmo rapaz estava encostado em outro túmulo! Fiz um breve aceno e me afastei daquele ambiente de paz. A mesma cena se repetira quando por lá estive nas outras segundas feiras. No quinta semana de oração fui informada que deveria comparecer ao hospital a fim de ser operada. Fui bem sucedida na intervenção. Dr Lameira me felicitou alegremente.
Como estava convalescente, não pude comparecer ao cemitério nas duas últimas segundas feiras. A minha filha Aninha me substituiu nesta missão. Após a última segunda feira, perguntei a Ana Maria se ela viu alguma coisa estranha perto do túmulo de José Romão. Aninha me respondeu embevecida que nas duas vezes que ali estivera, um belo rapaz a olhava com um ar carinhoso.
- Esquece, minha filha! Ele é um rapaz do outro mundo! Você não prestou atenção à foto estampada no túmulo! Era o mesmo José Romão! - Aninha revoltou-se com a revelação.
- A senhora podia ter-me prevenido! Quase me apaixonei por um morto!
- Filha, eu não lhe disse nada sobre este fato porque, com certeza, você não iria orar junto ao túmulo!
Depois de estar completamente restabelecida, Aninha e eu voltamos ao túmulo de José Romão. Levamos flores e, após o terço, demonstrei muita curiosidade a respeito da vida daquele belo rapaz. Foi quando, de repente, surgiu uma jovem com uma braçada de flores se dirigindo ao túmulo onde estávamos.
- Boa tarde! – foi a saudação daquela jovem. Muita gente visita este túmulo numa clara demonstração de amor a José Romão. Ele era sargento da aeronáutica. Foi dono de um espírito caridoso, socorria as crianças e ajudava os pobres em tudo o que podia. Faleceu em um gravíssimo acidente de moto. Que ele descanse em paz...
Obs. o fato é real mas os nomes são fictícios.
Carlos Lira.