Um grito no meio da noite

"O tempo leva tudo, quer você queira ou não."

Stephen King, À Espera de um Milagre.

Estirado na rede da varanda de sua casa de campo, Oliver sorve um gole de vinho da Toscana – presente do amigo italiano – e descansa a taça na pequena mesa ao lado. O sol desaparece além-horizonte, enquanto as nuvens dançam na imensidão do céu. A silhueta das árvores revela o contraste com a tropa de gado no campo, ruminando à espera do anoitecer.

Inspirado pela tranquilidade do ambiente, Oliver estira o braço, pega o violão encostado na parede e dedilha um solo de Luís Miguel, improvisando um dueto com o canto do sabiá. Embalado pelas reminiscências de suas canções, perde a noção das horas. O entardecer entra em modo silencioso, disposto a fustigar lembranças. Longe da família e dos amigos, Oliver anda cheio de mistérios depois que escolheu viver recluso junto à natureza.

Sereno como a alma de uma criança, ele não é nem a sombra do homem poderoso do marketing digital que media o tempo em nanossegundos; o bem-sucedido publicitário, que trabalhava dezoito horas por dia para atender empresas e organizações internacionais, e viajava com tanta frequência que passou a viver dentro de um avião. A carreira com ascensão meteórica lhe rendeu uma vida milionária cercada de prestígio, luxo e vaidade. Até que um dia, sem aviso prévio, a vida decidiu cobrar a conta. Imagens ainda confusas não registram em sua memória quando ele saiu de órbita.

Dois anos passam tão rápido! Agora, está ali, a sós com seus pensamentos, quando ouve um grito aterrorizante vindo do interior da residência. Sente o corpo estremecer. Dá um salto da rede como quem acorda de um susto e corre para o interior da casa a procura da estranha voz. Aquele som ainda ecoa no ar, indecifrável na sua cabeça.

Com um clique acende todas as luzes e aguça o olhar. Intrigado, percorre a imensa cozinha, revista os quartos no andar de cima. Nenhum vulto nem sombra. Vai até a piscina e não vê movimento algum. Tudo está calmo do jeito que sempre esteve. Não há sinal de violação no ambiente. Ouve apenas a cascata e o som do vento nas folhas das árvores.

De repente, em meio à noite escura, Oliver sente frio e medo, pressentindo o fio de uma navalha na sua garganta. Entra na sala, pisa em algo viscoso e resvala, quase caindo. A visão de uma poça de sangue o deixa transtornado. Não há rastros. Vai até a janela aberta e espia lá fora, procurando sinais de uma fuga imediata. É arrebatado por uma vertigem e fecha os olhos. Por alguns segundos perde as forças, com a sensação de flutuar no espaço envolvido por uma espiral de sangue.

Horas mais tarde, tudo está calmo e no seu devido lugar. Oliver sente a brisa vinda da floresta e caminha lentamente até a varanda, sob o peso da decepção e da tristeza que lhe molha os olhos no mais profundo silêncio de sua alma.

Até quando será refém das alucinações cada vez mais frequentes?