Confissões de um assassino cruel e inocente
Prefácio
Poderia um assassino confesso ser inocente? Mesmo que ele próprio se condene?
Nem tudo que pensamos saber está correto, nem tudo que parece claro é, de fato, a verdade absoluta e o que se deve fazer quando ate mesmo sua memória o trair?
Entregar-se à insanidade sempre foi o caminho mais fácil, indolor e sem indagações ao qual um homem desesperado e sem saída recorre.
Com ele não foi diferente.
Contou-me tudo o que fez - o que ”fez”?- durante minhas visitas a ele naquele inferno ao qual ele mesmo se acorrentou e, de forma incrédula no inicio, ouvi suas verdades que não faziam sentido algum e que me faziam rir por acha-lo com tamanha criatividade e desonestidade, mas logo pude perceber a seriedade nos olhos daquele homem, pois o que tinha ele a perder me dizendo a verdade? O que protegeria criando tais mentiras insensatas e absurdas, estando ele já no limite de sua existência e no lugar mais detestável que poderia estar?
Posso parecer também um louco, contudo acredito em cada palavra dita por ele.
- Edward J. Gray.
1840, Londres
Capitulo I
”É uma pena que a maior parte da humanidade tenha uma visão mental tão limitada para analisar com calma e inteligência aqueles fenómenos isolados, vistos e sentidos apenas por algumas pessoas psiquicamente sensíveis, e que acontecem para além da experiência comum.”
-H.P Lovecraft
Como psicólogo, deparo-me diariamente com casos conturbados de meus pacientes, mas alguns, em todo caso, se fazem inesquecíveis.
O deste homem foi o mais intenso deles.
Mesmo em minha primeira visita ele mostrou-se um individuo um tanto excêntrico, normalmente os condenados e os loucos a quem eu consultava, logo em sua primeira sessão, já se debulhavam para mim por ser a única pessoa disposta a ouvi-los e contavam-me logo toda sua historia de vida e o como foram parar ali, se declaravam sãos ou inocentes e alegavam haver um engano em estarem aprisionados, mas ele não...
No inicio de nossas sessões ele não demostrou interesse algum pela minha presença e indagações, não se declarou coisa alguma se não ele mesmo e não pediu para que fosse acreditado. Apenas confessou-me, da maneira mais detalhada que lhe era possível, sua confusa e inacreditável história, na qual, ocorreu-me diversas vezes que àquele individuo fosse completamente insano, que deveria providenciar a documentação para interna-lo em um lugar mais apropriado para trata-lo que não aquela prisão repugnante e depressiva, porém, apesar de seu relato excessivamente absurdo, este homem não me parecia ser, de fato, um lunático e por isso acabei por ouvi-lo sempre com interesse e atenção renovadas, pois sempre me surpreendiam os infortúnios que lhe caiam e que não eram poucos nem pequenos. No fim, muito tempo estive na presença deste homem e após dizer tantas coisas fantásticas com tal convicção, não pude deixar de acredita-lo, mas de toda forma não o culparei se você não o fizer, pois seria sem duvidas o julgamento mais sensato a se ter. Mas testemunhe por si mesmo e tire suas próprias conclusões.
Capitulo II- Depoimento do condenado
“Eu me tornei insano, com longos intervalos de horrível sanidade.”
-Edgar Allan Poe
Frequentemente tenho sido importunado por memórias, das quais, pessoa algumas quereria ter para si, lembranças que me torturam a alma e infligem grande sofrimento ao meu ser, que me rasgam de dentro para fora sempre que rompem a superfície do esquecimento, punindo-me de tal forma que me sinto nauseado apenas por menciona-las, entretanto, não tenho motivos para não lhe contar, Mr. Gray, não cabe a mim faze-lo acreditar ou não, deixarei que me julgue da forma que desejar, mas peço para que caso nelas acredite, não tente defender minha liberdade e inocência, pois temo não as merecer.
Não sou capaz de lembrar-me da ordem exata dos fatos, mal posso distingui-los como sendo meus ou não, pois, como você logo entenderá, nem tudo que fiz, realmente fiz.
Sempre fui um homem de saúde frágil, comum e pacato, daqueles que não se destacariam nas grandes multidões das calçadas de nossa Londres.
Vivíamos sozinhos, eu e meu velho gato preto. Nunca tive uma vida agitada, incomum ou problemática, os únicos males que me afligiam eram a fria solidão que me acompanha deste a infância e um grave problema em meu cansado coração ao qual fui obrigado a substituir, eu sei, parece loucura que alguém possa simplesmente troca-lo por outro, o doutor que o fez alegou ser um de seus experimentos promissores, que eu seria um dos primeiros em que ele o realizaria, infelizmente não me recordo ao certo seu nome, creio que era algo que soava como ‘Victor Kenstein’, não pude contata-lo novamente após a realização do processo já que o mesmo estava apenas de passagem por aqui e logo voltaria a Genebra para seus projetos de maior importância, mas o importante é que me vi obrigado a aposentar meu pobre e infeliz coração.
Logo após recuperar-me da cirurgia, senti-me um tanto desconfortável em minha própria pele, mas nada que não pudesse ser ignorado.
Minha vida seguiu sem nenhuma novidade como de costume, meus dias passaram a ser ainda mais longos e tediosos do que eu antes os considerava, eu estava irritadiço e desenvolvi um estranho gosto por cigarros, o qual repudiava anteriormente, e meu gato, meu fiel e único companheiro que eu tanto amava, começou a ficar um tanto arisco em minha presença e, em algumas vezes, ate mesmo mordia-me e fugia para longe quando eu o tocava isso me entristecia profundamente, pois eu nem ao menos compreendia o motivo de tal aversão à simples menção de acaricia-lo.
Em uma tarde em que repousava em minha casa, após um mal estar terrível que se acometeu sobre mim, senti pela primeira vez aquela sensação tão intensa e horrível que me agredia todos os sentidos com um odor pungente e uma dor excruciante em meu peito, e então elas surgiram.
As visões, aquelas malditas visões.
Memorias de coisas terríveis, hediondas e das quais eu daria a minha própria alma para esquecer.
Infelizmente minha alma foi rejeitava tanto no inferno como no céu, pois meu sofrimento não cessou, nada o faria.
As lembranças continuam a me tirar a paz ate então, se tratavam de cenas desconexas e curtas no começo, de sangue, corpos, lugares escuros, pessoas mutiladas e de uma sensação estranha que despertava em meu interior sempre que aconteciam. Com o passar do tempo elas ficaram mais e mais longa, intensas, detalhadas e com o acumulo dessas experiências pude enfim compreender a magnitude e desatino do que estava me acontecendo.
Não eram nada menos que memorias de crimes imperdoáveis.
Crimes que eu havia cometido.
Foi quando enlouqueci
Mesmo estando são.