Folha úmida
"Você foi o mais lindo poema que eu pude ler. E toda essa sua ternura e brandura única, formam a mais bela de todas as linhas já escritas". Digo isso para mim enquanto me dirijo ao porão. Mas, permaneces escritas em uma folha bastante úmida, e embora as letras não apaguem, permaneces habitando tão melancólica no fundo de um baú cinza. Que triste contraste. Guardado no porão da minha casa a tantos anos e mais anos, lá está ele.
As escadas até lá rangem. Sim, eu lembro de cada um. Desse presente, dessa relíquia, desse prêmio, desse troféu, e ainda mais que todos, desse úmido papel. Eu pego em cada um e observo, observo. Retiro parcialmente a poeira. Fechando os olhos, sinto que me envolvo com o sentimento que cada um vibra, e guarda nas fibras que os compõem. Mas parece que o valor lhes foi rompido por algo há algum tempo... não tem razão, nem explicação. E agora nada mais me importa. Ainda há algo que não mexi no fundo do baú. Esse último, uma lembrança. É uma grande lembrança e é tudo que sei. No entanto, eu até consigo tocá-la, mas sou totalmente incapaz de vê-la nitidamente embora me esforce. Sua simetria e forma é impossível de ser descrita. " não leve para fora, deixes que durma adormecida, sem ver a luz." Foi essa voz que se fez soar tão trêmula e baixa, mas que inundou meu porão tão vertiginosamente, e tornando-o por um instante, mais escuro.
Te ouvirei. Então, devolvo ao báu, e com um "klique", ele é fechado novamente. Permanecem agora como sempre foi. Sozinho, empoeirado, cinza e úmido. E agora, lá fora, sou uma imagem em preto e branco, destacada sobre o restante colorido úmido do dia, do tempo, do mundo.