Márcia

Uma noite chuvosa de sexta,eu caminhava pela avenida Dom José,próximo ao arco,não estava feliz nem triste,estava andando por aí com uma garrafa de vinho barato.Eu estava flutuando em meio aquelas poças de água,aquilo era tão divertido,a chuva despencava,as pessoas me olhavam torto,eu apenas seguia o meu caminho.

Chegando na praça do teatro,sento-me em um banco e observo a velha fonte com aquele chafariz em forma de ganso,a coisa mais brega dessa cidade,de repente uma amiga chega ao meu lado com seu guarda chuva preto,era a Márcia:

-Tá fazendo o que aí nessa chuva?

-Não sei,admirando a vista talvez.

-Você está bebendo de novo não é?-pegou a garrafa de vinho que estava no chão e deu gole no restinho.

-Beber é o que me alegra nesse mundo tão vazio.

-Vazio?-olhou-me com desdém-Existem pessoas vazias,não um mundo triste e vazio como você diz.

-São essas pessoas que deixam o mundo vazio,e ele não é triste.

-Então ele é o que?

-Ele é vazio,sem graça,sem cor,sem propósito.

-Então ele é triste?

-Se eu quisesse discutir filosofia eu ia pra escola!

Márcia deu uma pequena gargalhada e seguiu dando pequenos gole no meu vinho.Não compreendi bem,mas tive uma forte vontade de beija-la naquele momento,não sei,a minha vontade era de tira-la a roupa e transformar a noite apática em uma breve boa lembrança,mas me segurei.

De repente,ela levanta e começa a fazer uns passos estranhos de dança,uma mistura de ballet e funk e sei lá mais o que.

-O que tá fazendo?

-Aproveitando a chuva.

-Você é maluca!-levantei do banco-Anda o vinho já fez efeito,vou te levar pra casa.

-Eu não preciso que ninguém me leve pra casa!

-Isso é mais um sinal que você tá bêbada,vamos!

-Sabe o que vou fazer?-disse seriamente-Eu devia mandar você se foder.

-Você não tem coragem,vamos logo antes que alguém se foda realmente esta noite!

-Cara,eu tô bem!-Vamos dar uma volta e esquecer esse diálogo.

Ela puxou meu braço e fomos descendo a avenida com aquela chuva torrencial,nem sei como sobrevivemos sem enxergar quase nada da rua com aquela vastidão de água,a sorte é que o guarda chuva dela era grande.Acabei desviando o caminho e voltamos até o arco,desci até o taco e em uma daquelas ruas que seguem até a Margem esquerda estava a sua casa,ela tava com a chave mas estava tão bêbada que nem conseguia abrir a porta,abri e fui levando ela para dentro.

Coloquei ela no banheiro,sentada na tampo do vaso sanitário,quando já estava saindo para ir embora,ela grita:

-TIAGO NÃO ME DEIXA AQUI!

A minha vontade era de ignora-la,mas o meu bom senso voltou atrás,cheguei e perguntei:

-O que houve?

-Eu não quero ficar sozinha,fica comigo por favor!

Olhei para aquela chuva que não queria parar e disse:

-Ok,posso tomar banho depois de você?

-Você pode tomar banho comigo.

-Esquece,vai tomar banho logo que eu espero ali na janela.

Ela se levantou do vaso e me jogou na parede começou a me beijar intensamente,eu queria evitar que aquilo acontecesse mas não consegui,ela foi baixando e baixando,enfim,transamos antes,durante e depois do banho.

Depois de tudo,já cansado,caí na cama do quarto dela e desmaiei.Quando acordei ao meio dia,vi ela deitada ao meu lado com a cabeça encostada no meu peito,fiz um carinho em seu cabelo pra ver se ela acordava mas não surtiu efeito,falei baixinho:

-Ei maluquinha,acorda,bom dia.

Ela não se mexia,passei a mão em sua bochecha e senti muito fria,quando viro a sua cabeça,vejo um rio de sangue vindo do seu nariz.Eu enlouqueci,empurrei seu corpo com tanta força que ela caiu no chão,tentei mesmo sem esperanças observar se ainda estava viva,já era,ela morreu.

Vesti a minha roupa rapidamente saí e deixei a porta aberta,não chamei a polícia nem nada,apenas corri sem destino,parei já na saída de Sobral para Forquilha,pensei no que havia feito,sentei no acostamento,nem sei por que eu havia abandonado o corpo,na hora senti que seria preso e eu obviamente não queria perder a minha liberdade.

Continuo andando pelas estradas,estou em Mossoró,até agora ninguém me reconheceu,acho que nem descobriram que eu tava lá.Queria saber o que aconteceu com ela,eu a amava,bem,talvez não amava o suficiente para enterra-la com dignidade.Eu deixei uma estudante de história,futura escritora e amante morrer?

Não sei,apenas sigo o meu caminho sem olhar pra trás,pois se eu olhar,eu nunca vou me perdoar pelo o que fiz e provavelmente farei a minha partida por conta própria.