CRASH!

Na madrugada, um carro transita desimpedido pela cidade.

Seguindo a rota que o aplicativo de GPS lhe indica, a nova enfermeira retorna do primeiro plantão noturno no hospital. Tamborilando os dedos no volante e cantarolando uma relaxante música que ecoa dos alto-falantes, divide a atenção entre a rua e o celular. Na escuridão desprovida de luar ou estrelas, iluminada unicamente pelas luzes dos postes e dos faróis do veículo, viva alma não é vista perambulando pelas vias. A cidade dorme.

- Parece que só eu estou acordada a esta hora! - Pensa alto, falando consigo mesma, visando espantar a sonífera solidão.

Esfregando a mão direita na coxa, repara que na tela do telefone um ícone de alerta desponta, avisando sobre um acidente automobilístico à frente. Pela localização, é pouco antes do final da longa e retilínea avenida na qual transita. “Nossa, mas que proeza! Como alguém consegue bater o carro bem ali? Ainda é reta!”, mais uma vez fala consigo, surpresa. Como ainda há a previsão de uns vinte e tantos minutos até a chegada em casa, acelera sensivelmente o veículo, tencionando encurtar o tempo de viagem e saciar logo sua curiosidade a respeito do tolo acidente.

Conforme se aproxima do ponto indicado no mapa interativo, a jovem começa a vasculhar os arredores para ver onde foi o tal acidente: nada. Parece não haver batida em lugar nenhum. Ajeita os óculos e acirra a visão para vencer a miopia e a escuridão mal iluminada, mas parece que não há nada mesmo. “Ora, ora… Acho que o aplicativo está enganad…!”

CRASH!

Repentinamente, uma colisão. Distraída e veloz, sobe na calçada e acerta em cheio um poste, quase derrubando-o com o impacto. Como os fios foram violentamente sacudidos, alguns se rompem e mergulham a vizinhança em blecaute. Após a grave cacofonia de metais, plásticos e vidros sendo quebrados, e do agudo acorde dos pneus atritando contra o asfalto, segue-se a comprida e lúgubre nota da buzina acionada pela testa rachada da enfermeira, debruçada sobre o volante, morta instantaneamente pela sua curiosidade e imprudência.

Morreu sem saber que o acidente do GPS era o seu.

Eudes de Pádua Colodino
Enviado por Eudes de Pádua Colodino em 21/11/2018
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