O POETA QUE ENGANOU A MORTE...

Aquele poeta estava no auge de sua fama. Seu livro fazia sucesso e inclusive já tivera convites de programas de televisão para entrevistas. Mas mal sabia ele que nem tudo era flores. Mal sabia ele que sua hora havia chegado e eis que veio a morte, com tuas vestimentas rocas e tão negras quanto o universo. Universo sem estrelas. Universo de tristezas...

Segundo ela, veio para ele por um ponto final em seu poema que ele então não havia terminado e o qual segundo ele, era tua verdadeira obra-prima. Mas o poeta, sensato e talentoso com as palavras, conseguiu convencê-la de esperá-lo terminar teu tão sonhado e belo poema. Ai então ele a seguiria de bom grado para onde quer que fosse. A Morte havia vindo pela tarde e já era noite, quando de fato aceitou o acordo, mas prometeu voltar todo fim de tarde a fim de ler os versos então escritos e quando estivesse pronto, afinal, para que pusessem o ponto final.

E assim foi. O poeta sorrira pois havia iludido e enganado a morte e toda vez que ela viesse, uma vírgula a esperaria e não aquele ponto final que poria final em tua vida, juntamente com teu poema com tão belas rimas.

E assim foi, dia a dia, todo fim de tarde lá vinha a morte. Lia o novo trecho criado e deparando-se com a vírgula, voltava-se pra trás. E os dias tornaram-se meses. E os meses tornaram-se anos... Era tanta visita e tanta vírgula que ela nem mais lhe batia a porta, a rotina a fez sentir-se de casa e já entrava sem anunciar-se. Lia com atenção e nada dizia, apenas se voltava quando deparava-se com a vírgula.

E os anos que se foram, eram tantos, que já idoso, o poeta se via perdendo seus amigos de infância, familiares, e sentia-se cada vez mais solitário. Afinal, há mais de 60 anos enganava a morte. E cansado de tudo, pelas dores da velhice e pela solidão em que se encontrava, afinal, avançou ao teu poema, escreveu mais algumas linhas e pôs de fato, o ponto final.

Sentado em tua cadeira de balanço, tranquilo, chapéu na cabeça e um cigarro à boca, aguardava a morte vir buscá-lo. E naquela tarde não fora diferente de todos os dias em que ela vinha sem falta. Lá pelas quatro e tantas da tarde, ela entrou, silenciosa como sempre. Pegou o extenso poema, leu as últimas linhas e surpreendeu-se com o ponto final. O olhou bem no fundo dos olhos. Ele estava calmo e se dizia pronto. Eis finalmente no poema, o ponto.

Reflexiva, ela então sentou-se numa cadeira à tua frente e sorridente, embora não tivera um só dente, disse algumas palavras com tua voz rouca ao poeta:

-_"Quando você achava ter me enganado, quis fazer teu jogo, no início por curiosidade, depois com o tempo, passei a amar teu poema de verdade. Contava as horas para que pudesse vir ler as últimas linhas tão bem escritas e com tão belas rimas. Passei a viver nele a vida ou diria a morte que não vivi. Todas as pessoas que vinha buscar, recebiam-me com lágrimas e desespero. Você, ao contrário, recebia-me com um poema extenso, lindo e verdadeiro. Sim, de fato, achou que havia enganado-me. Mas ninguém engana a morte. Eu amei teu poema e se acha que ele foi finalizado: Agora sim, digo que tu estais completamente enganado..."

Ela então levantou-se silenciosamente, silêncio este que também abraçava o já velho poeta, que atônito nada dizia. Ela sussurrou a ele um até amanhã, e antes que fosse embora sozinha novamente, pegou a caneta e sobre aquele ponto que poria um fim em tudo, ela rabiscou. E enquanto teus lábios murchos sorriam, fez ela, naquilo que seria o final daquele poema, uma outra vírgula...

Poeta imaginário
Enviado por Poeta imaginário em 19/08/2018
Reeditado em 19/08/2018
Código do texto: T6423973
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