Maldita Hora

Assim que deu a luz àquela criança, Zumira já pressentia o que estava por vir. Instantes depois de segurar em seus braços o menino, ela virou os olhos para Cândida, sua melhor amiga e parteira daquele nascimento, e pediu que cuidasse daquela pobre criança que acabará de chegar ao mundo. Ciente de não poder dizer outra resposta a não ser sim, Cândida aceitou ficar com a criança, sem que soubesse o que poderia vir pela frente.

- Eu nunca achei uma boa ideia ficar com essa criança.

- Mas o que eu podia fazer Agildo? Ela estava morrendo, me pediu com os olhos cheios de lágrimas para que eu cuidasse desse menino. Seu eu dissesse não pra ela, eu tenho certeza que a alma da pobre coitada não teria paz.

- Enquanto ela tem paz, a gente vive aqui nesse inferno, com essa peste.

- Não fala assim. Eu vou ver o que eu posso fazer, mas... Já tentei de tudo e não adiantou de nada.

- Pois então trate de achar um jeito de resolver isso logo, assim que a gente acabe morto aqui dentro dessa casa.

- Também não é assim Agildo, menos.

- Ah não é não? E como é então, me diz. Esse menino está com o diabo no corpo, ou sei lá o que ele tem. Eu só sei que é isso é muito ruim. E quem vai consertar essa burrada vai ser você.

- Eu preciso da sua ajuda, não sei se consigo fazer isso sozinha.

- Sinto muito Cândida. Mas essa é sua missão. Quem trouxe o mal aqui pra dentro da nossa casa foi você.

Agildo saiu da sala.

No quarto o menino estava sentado no chão empoeirado.

- Filho, o que faz ai?

- Você não é minha mãe.

- Eu sou sua mãe sim.

- Não é não. Você matou a minha mãe.

- Olha aqui menino eu até ia preferir não ser mesmo a sua mãe sabia. Mas infelizmente sobrou pra mim o desprazer de ter que cuidar de você. Mas apesar de tudo o que eu sofro aqui, eu não me arrependo. Eu fiz isso pela sua mãe.

- Eu quero a minha mãe. A minha mãe de verdade.

- Eu já disse pra você que sua mãe morreu. Infelizmente ela morreu. Eu não vou te contar toda a história de novo.

- Não – disse o menino em tom agressivo partindo pra cima de Cândida.

- Ai! O meu braço – gritou Cândida.

Ela viu o sangue escorrer de seus braços e chamou pelo marido.

- O que foi dessa vez?

- O menino. Olhe o que ele fez.

O menino feriu Cândida com a lâmina afiada de seu apontador.

- Meu Deus. Você ta vendo? É disso o que estou falando. O que mais vai ser preciso acontecer aqui nesse maldito lugar pra que você enxergue a verdade. Pelo amor de Deus, Cândida.

- Pare de falar e vá buscar algo que possa cuidar desse corte aqui.

Agildo saiu furioso em busca da caixa de primeiros socorros.

Cândida cuidou com muito amor daquele menino, desde a morte de Zumira. Mesmo com todas as crueldades praticadas pelo garoto, ela nunca desistiu dele. Porém, ela não compreendia o menino. Ele tinha um comportamento estranho. Muito incomum. Por trás de uma criança se escondia segredos que mesmo podendo causar a morte de todos a sua volta, era preciso ser desvendado, antes que algo catastrófico pudesse acontecer.

- Vem garoto. Não tente nada. Ande logo – disse Cândida segurando firmemente as mãos gélidas do menino.

- Me larga. Pra onde você ta me levando? O que você vai fazer comigo? – retrucou o menino forçando seu corpo para escapar das mãos de sua mãe adotiva.

- Você já vai saber – respondeu ela.

- O que é isso Cândida? Aonde vai com esse menino a essa hora da noite – perguntou Agildo.

- Vou resolver a nossa vida – respondeu.

- Espera, eu vou com você – disse ele.

- Não. Fique aqui – ordenou Cândida.

Em meio a uma mata escura, Cândida saiu arrastando o garoto, que relutava em não ir com ela. Seus pés tocavam as folhas secas que caiam no chão. A lua ilumina os caminhos por onde passavam.

- Me solta sua bruxa – gritou o menino.

- Cale-se menino – ordenou Cândida.

Continuaram a caminhar por alguns metros. O menino já estava cansado. Cândida também. Com uma das mãos ela limpava o suor de seu rosto.

- Chegamos!

O menino olhava estático.

Chegaram a um lugar um tanto sombrio. O som da mata escura fazia sons arrepiantes, os quais eram impossíveis identificar. Muitas folhas e galhos no chão.

- Olha aqui menino. Ta vendo isso aqui? – disse Cândida apontando para uma cruz de madeira amarrada em cipó.

O menino rosnava feito um cão raivoso. Não disse nada.

- Aqui, nesse lugar, esta enterrada a sua mãe. Eu te trouxe aqui pra você ver, com os seus próprios olhos. A Zumira era muito generosa, muito boa. E é por ela que eu fiquei com você.

- Eu quero ir embora daqui – disse o menino.

- Entende uma coisa menino. A sua mãe sou eu, você querendo ou não. Eu só quero que você entenda isso e me respeite. Eu abri mão de muita coisa por você.

O menino continuava a tentar se soltar da mão de Cândida.

- Agora vamos embora.

Em um piscar de olhos, o menino conseguiu se soltar e fugiu. Saiu correndo na mata escura.

- Volte aqui! – gritou Cândida.

O menino corria desesperado, esquivando-se dos galhos e de tudo o que surgia pela frente.

Cândida não conseguia acompanhar os largos passos do filho. Sua voz já estava ofegante. Estava cansada. Fraca. O suor escorria em seu rosto. A noite parecia mais escura. Depois de tanto correr, acabou tropeçando em uma pedra e caiu. Desmaiou logo depois.

Quando acordou...

- Quem é você? Que lugar é esse? Me tira daqui – desesperou Cândida.

No momento em que acordou, e se deparou com aquela situação, ela teve as respostas que tanto procurava, mesmo não sabendo. Chamou pelo nome do marido por diversas vezes, mas ele não podia escutar. Ninguém podia.

Fim.

Luccas Nascimentto
Enviado por Luccas Nascimentto em 20/03/2017
Código do texto: T5946515
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