A Assombraçao do Sobrado

Havia um casal sem filhos que morava afastado da cidade em um velho, mas bem conservado sobrado, a propriedade dispunha de 1.500 acres de terras em sua maioria de florestas virgens. Era uma daquelas casas antigas construídas ainda no início do século passado e que continha muitas histórias interessantes. A mais apavorante é a do panga lá panga. Macário e Janice haviam recebido o imóvel e as terras como herança e trabalhavam com muito esmero procurando administrar o lugar mesmo com o pouco dinheiro que tinham no início, eles cuidavam de duas frentes de trabalho: um jardim muito belo do qual colhiam e vendiam as flores e, um pomar, também muito bem cuidado com enorme quantidade de árvores frutíferas as quais tinham suas colheitas transformadas em sucos, tortas e doces que lhes rendiam um bom dinheiro. O marido era quem ia a cidade vender o produto enquanto a esposa costumava ficar só em casa.

Certa vez enquanto Macário foi comercializar seus produtos, a jovem senhora como fazia todas as noites após o jantar, folheou algumas páginas de seu livro predileto e adormeceu na sala, num sofá aconchegante. Quando despertou foi porque o livro que era grosso, caiu de suas mãos e a capa por ser dura, em contato com as tabuas do assoalho produziu forte ruído. A janela ainda estava aberta e o vento naquela noite trouxe um pouco de ar frio, talvez, observou ela, fosse por causa da lua que estava cheia e brilhava no horizonte iluminando pelos vitrais envelhecidos, todo o ambiente, era majestosa e estava linda, acima da copa das árvores.

_ Por Deus, adormeci tão rápido que nem fechei a janela. Éh! Vou dormir, amanhã será outro dia cheio também.

Fechou a janela puxou a cortina e foi olhar os outros cômodos, ver se não tinha esquecido mais alguma. Tudo verificado recolheu-se ao seu aposento, deitou e dormiu. Horas depois ela acorda com um barulho vindo do lado de fora da casa, parecia ronco de animal, muito provavelmente de um porco, a princípio pareceu-lhe longe, mas aos poucos foi chegando até que sentiu bater na parede do sobrado, corria circundando a casa e roçava-se nela, ia até a porta da cozinha e dava com a cabeça tentando forçar a entrada. Janice apavorada com aquilo correu e colocou a mesa, as cadeiras e até o armário na porta com intenção de conter o intruso, que ao perceber a movimentação dentro de casa saiu novamente num carreirão. Tudo ficou em silencio lá fora, porem ela não conseguiu mais dormir.

Na manhã daquele dia quando o marido chegou, ela ainda estava muito assustada e lhe contou o acontecido, ele verificou o terreno em volta da casa e constatou que se tratava de um animal de grande porte, muito provavelmente um porco, dado as marcas das patas na terra que por sinal eram enormes.

_ Deve ter sido um porco e dos grandes que passou por aqui e com o barulho que você fez dentro de casa ele se assustou e foi embora, com certeza não voltará.

Tratou o assunto com pouco caso, até brincou com a mulher tentando distraí-la, fazendo algum gracejo.

_ Você se assustou e assustou ele também ah, ah, ah.

_ E essas botas marido toda imunda, até parece que você chafurdou de proposito na lama, tire logo ou vai sujar toda a casa.

_ Perdoe-me querida você tem razão, deixe que eu limpo esta sujeira.

Procurou ser atencioso em função de a mulher ter passado o que passou.

1

A rotina de trabalho voltou ao seu curso natural e nos dias que Macário ficou em casa o tal animal não apareceu, porém numa daquelas noites, Janice subitamente acordou e notou a ausência do marido na cama, pensando que ele estivesse no banheiro que ficava no corredor, voltou a dormir e só de manhã é que perguntou sobre o assunto.

_ Algum problema, foi a comida que não lhe caiu bem?

_ Como disse?

_ Acordei essa noite e não estavas na cama, imaginei que estivesses com algum desarranjo marido.

_ Ha sim, mas já está tudo bem, não se preocupe, hoje irei a cidade novamente comprar alguns mantimentos e vender o restante dos doces, estamos com mais encomendas.

_ Gostaria de ir contigo, não quero ficar aqui sozinha novamente.

_ Não te preocupes, não viu que durante esse tempo nada aconteceu, vou reforçar as portas e janelas de nosso sobrado, assim ficarás mais segura, voltarei o mais rápido possível que eu puder, quando eu voltar trago um presente pra ti.

_ Então avise minha irmã, peça-lhe que venha ficar comigo esses dias.

_ É apenas uma menina, mas tudo bem, se vais te sentir mais tranquila passarei um telegrafo pra ela e quando chegar eu vou buscá-la na estação, em seguida irei à cidade pros meus afazeres.

E como ele havia prometido assim o fez, trouxe a irmã de menor para junto de sua mulher Janice. Era menor de idade, mas com a conversa e o trabalho seria mais fácil passar todos aqueles dias sem o marido por perto. Janice tinha o costume de cantarolar uma música que aprendeu desde muito cedo, era Panga la Panga, cantarolava para a irmã mais nova até que está dormisse e naqueles dias em que ela esteve em sua companhia a música não saiu de seus lábios, também seu marido Macário muitas vezes adormecia ouvindo aquele som. E tudo transcorreu sem problemas, no entanto uma noite lá pela madrugada o barulho do animal roncando apareceu novamente. Janice acordou e primeiro esperou um pouco, não queria assustar a irmã, podia não ser nada, mas como o barulho aumentava correu até o quarto para acordá-la mas ela já estava sentada na cama escutando o animal lá fora.

_ O que é isso mana, você cria algum tipo de animal, parece que ele se soltou e está batendo nas paredes da casa.

_ Não é nada disso, venha comigo, vamos lá pra cima e eu lhe conto no caminho.

Subiram às escadas, Janice quase não ia a esse compartimento, era um sótão onde Macário guardava como ele mesmo dizia: algumas tralhas, os materiais de jardinagem, máquinas velhas e enferrujadas, outras ainda nem usadas, terçados, enxadas, ferro de cova etc., tudo que um agricultor precisava para o trabalho diário. De lá poderia ver melhor que tipo de animal era realmente, pois havia uma varanda pelo lado de fora. Como o animal corria toda a extensão do terreno seria mais fácil identificá-lo. Viram um enorme porco com dentes pontiagudos que batia a cabeça e os quartos na soleira da porta e nas paredes do velho sobrado, só parou quando os primeiros raios do sol riscaram o horizonte, ele saiu num carreirão embrenhando-se na mata. Daquele dia em diante as noites foram assombradas pelo porco enfurecido, até o dia em que o marido de Janice voltou para casa e concluíram as duas irmãs, que um porco comum meteria o focinho na terra e se coçaria um pouco, mas aquilo era realmente uma assombração de fazer o mais corajoso se pelar de medo.

_ Amor, eu cheguei!

Gritou lá fora Macário, ele havia chegado naquele momento.

2

_ Minha nossa o que aconteceu aqui, o terreno está todo revirado, a porta e as paredes de nossa casa arranhadas de dentes, que diabos houve por aqui?

_ Eu lhe falei do animal que apareceu outra noite, assim que você saiu ele voltou, não sei, tem alguma coisa haver com a lua, foi só ela ficar cheia, aparecer no céu e ele voltar ainda mais feroz.

_ Mas, e vocês, estão bem? Graças a Deus a casa é segura, não é mesmo? Vou dar uma volta por ai e ver se encontro esse porco e o ponho pra correr daqui.

_ Amanhã eu quero é sair daqui, isso sim, eu não me sinto segura aqui, ainda mais com minha irmã correndo perigo também.

_ Não se preocupe querida, será como você quer; melhor mesmo providenciar outro lugar com mais segurança.

No outro dia o marido saiu muito cedo para ver se encontrava o tal animal, saiu levando a espingarda, a única arma que tinham em casa. Depois de algumas voltas pela floresta voltou com a certeza de que aquilo não mais incomodaria. Passaram-se alguns dias e o assunto parecia ter sido encerrado, Macário não tocou mais na história do porco roncador que se coçava nas paredes da casa.

_ Mana já se passaram três dias que seu marido voltou e nem sinal do tal animal, até parece que ele sabe e fica esperando pra atacar quando estamos sozinhas.

Eu estava pensando exatamente na mesma coisa. Macário caçou o bicho e nada, acha que foi embora e não falou mais em nossa mudança que estava certa, pensa que me esqueci, acho que ele não quer sair daqui, mas é ele fazer a mala, que a nossa estará pronta também. Ele sai por uma porta em direção à cidade e nós vamos pra casa de mãezinha.

_ Isso mesmo mana, ele tem insistido que eu volte pra casa, dizendo que não lhe deixará mais sozinha, mas fico preocupada contigo, ele não fala na mudança de vocês, é sinal de que ele não quer mesmo sair daqui.

_ Acabo de ter uma ideia. Fiquei tranquila. Vá com ele até a estação, volte pra casa de mãezinha, vou dar um jeito nessa situação, com certeza não ficarei sozinha, pode ir, quando ele for vender nossos produtos eu irei também.

E as duas irmãs acertaram de se encontrarem logo que possível, despediram-se e a cunhada foi com Macário até a estação que ficava há uns 800 metros do sobrado seguindo pela floresta. Já no meio do caminho, Macário desculpou-se com a cunhada dizendo que havia esquecido uma encomenda de uma cliente que teria que mandar pelo rapaz do trem, voltou deixando-a sentada a sombra de uma árvore.

_ Vou correndo cunhada, preciso mesmo mandar essa encomenda, volto já, já.

A moça não se preocupou, ficou ali à sombra de um pomar; o dia estava agradável e bastante ventilado, ela sentou ali distraída esperando o cunhado. De repente o animal surgiu correndo em sua direção, a boca estava aberta mostrando os dentes enormes, parecendo com os de um javali; grunhindo, tentando morder suas pernas, rasgando sua saia. Aos gritos a menina saiu correndo na direção contraria à dele que a perseguia como estivesse desesperadamente faminto. Depois de muito correr, se deu bem, fez uso dos provérbios: sebo nas canelas e pernas pra que te quero. Vendo que conseguira ganhar certa distância, subiu depressa em uma árvore chorando e pedindo socorro. Embaixo o porco mordia e dava cabeçadas na árvore tentando derrubá-la. Um caçador que passava por ali ouviu os apelos desesperados da menina e atirou para o alto como forma de avisar que já estava a caminho correndo na direção indicada pelos gritos, o porco ouvindo o disparo da arma do caçador, saiu em disparada sumindo na floresta.

_ Pronto, calma, calma, pode descer daí, não precisa mais ficar assim, com certeza, quem lhe perseguia já está muito longe.

3

_ O porco, o porco ele pode voltar.

_ Não se preocupe, se ele voltar eu dou cabo dele, pode descer.

_ Onde você mora moça, é perigoso andar sozinha por estas matas.

_ O meu cunhado, o animal deve tê-lo atacado lá atrás.

_ Que tipo de animal era. Não vi nenhum.

_ Um porco enorme, queria me matar, por favor, o senhor viu meu cunhado, ele deve tê-lo atacado também.

Calma, primeiro vamos cuidar de você, depois procuramos seu cunhado. Onde você mora?

O caçador tira sua jaqueta e dá a mocinha que está com a saia toda rasgada, além das pernas e braços também machucados. Enquanto ele atendia a vítima do ataque do porco feroz o cunhado da menina misteriosamente apareceu chamando por ela e a encontrou aos prantos ao lado de seu salvador.

_ Meu Deus que houve, a deixei a alguns minutos quando voltei não a encontrei mais, não sabia em que direção seguir acho que me perdi no caminho até que encontrei suas coisas espalhadas e ouvi gritos.

_ Você deve ter se afastado demais, gritei muitas vezes e não respondeu. Por sorte este senhor veio em meu socorro. Se não fosse ele eu estaria morta há esta hora.

_ Eu agradeço muito senhor pelo socorro prestado a minha cunhada, agora que ela está mais calma, eu tomarei conta, voltaremos pra casa, lá ela terá como se recompor.

_ De jeito nenhum, não saio daqui se este senhor não nos acompanhar até em casa, ele está armado e qualquer coisa pode nos defender. Pelo amor de Deus senhor, não nos abandone agora.

_ Mas é claro, eu irei com vocês se isso puder acalma-la, fique tranquila que se esse bicho aparecer será o fim dele.

_ Muito obrigada.

Macário pelo jeito não gostou muito, pela cara que fez, olhou para o outro lado, mas depois também agradeceu a companhia. Assim os três caminharam em direção do velho sobrado, Janice que estava na janela quando avistou sua irmã voltando sendo amparada pelo caçador e o marido, correu, abriu a porta querendo saber o que tinha acontecido, vendo que a irmã estava toda machucada guardou suas perguntas para mais tarde, agora era preciso ampará-la, pois estava um tanto traumatizada. Depois que os agradecimentos foram feitos ao caçador e este os deixou, a menina contou em detalhes o acontecido a Janice, que achava inclusive, que o cunhado havia deixado ela de proposito na floresta.

_ Mas o que você está me dizendo irmã, porque ele a deixaria de proposito lá.

_ Ele disse que voltaria em casa para pegar uma encomenda, ele voltou?

Janice não quis deixá-la mais apreensiva do que estava e acenou com a cabeça que sim confirmando que ele voltou, porém a encomenda não ficara pronta e em seguida ele retornou para levá-la a estação. Deu certo, pois a irmã pareceu-lhe mais conformada e acertaram que só sairiam dali, juntas. Macário depois daqueles acontecimentos resolveu passar um tempo maior em suas terras. Ele mandou de trem as encomendas que faltavam entregar aos clientes e aproveitou para cuidar, limpar e adubar sua plantação; fazer o trabalho mais pesado, já que sua mulher que era quem lhe fazia companhia nessas horas estava cuidando de sua cunhada. Os dias se passando e a tal assombração nada. Não deu o ar de sua assombrosa graça.

Janice ainda não havia encostado o marido na parede por ter confirmado sua mentira. Estava muito desconfiada e resolveu cuidar ela mesma da sua segurança, foi até o Sótão e procurou no meio de toda aquela tralha, alguma coisa que pudesse servir melhor a seu

4

propósito. Encontrou uma velha armadilha para ursos e lobos, estava dependurada lá no fundo. À noite, enquanto o marido dormia, ela marcou o caminho que o porco corria em volta do velho casarão e colocou a armadilha cobrindo-a com palha seca, depois voltou e deitou-se junto à irmã. Continuou cuidando da recuperação da jovem. Nessa noite Janice não dormiu ficou esperando para ver se o marido saía como vinha fazendo nas outras noites, e não tardou muito ele se levantar ir à cozinha, bebeu água depois abriu a porta e caminhou até próximo da floresta, foi o que Janice conseguiu acompanhar, como ele custou muito a voltar ela se levantou e trancou a porta temendo alguma coisa, depois subiu até o Sótão e de lá esperou o que iria acontecer. Como estava muito cansada dormiu e só acordou ao ouvir gritos medonhos, era o porco que estava preso, porém como ele era muito forte arrebentou a corrente e saiu levando a armadilha na perna. Janice ainda ouviu um tiro dentro da mata, depois tudo ficou em silencio, horas depois o marido bateu na porta querendo entrar.

_ Janice, por favor, abra a porta sou eu Macário.

_ Quem me garante que é você mesmo, ainda a pouco aquela assombração esteve aqui justamente no momento em que você se ausentou de casa, caiu na armadilha que eu coloquei mais mesmo assim não adiantou muito, pois a levou com ele.

_ Mas é claro que sou meu amor.

_ E o que você está fazendo uma hora dessa fora de casa?

_ Abra a porta eu lhe explicarei tudo.

_ Explique daí mesmo, ou você não vai entrar.

_ Tudo bem, eu escutei um barulho estranho aqui fora e pensei que aquele animal poderia ter voltado, saí pra ver se o encontrava, não encontrei, vi apenas uma sombra e atirei, mas não era nada, você deve ter ouvido o tiro.

Realmente a mulher havia escutado o estampido de uma espingarda, porém não estava convencida, mas como já havia olhado pela fresta e era ele mesmo, resolveu abrir e deixá-lo entrar. O homem passou por ela, colocou a arma em cima da mesa, sentou-se e pediu um pouco de água. Janice até então não notou nada de anormal com o marido, aborrecida por ele ter saído deixando-as desprotegidas, foi para o quarto da irmã e trancou-se. Na cozinha Macário ficou por muito tempo, depois quando já estava quase amanhecendo é que foi dormir. De manhã Janice entrou no quarto e o marido estava ainda de bota deitado na cama e resolveu tirá-las, notou pequeno ferimento em seu tornozelo, aquilo era algum indício, mas não tinha certeza e ficou calada, escondeu a espingarda no quarto da irmã e voltou aos afazeres da casa.

Preparou o café reforçado como era costume fazer e quando Macário levantou tudo já estava, como sempre, ao seu gosto. Ele tomou seu desjejum e saiu para a lida, Janice tratou do almoço e preparou uma alimentação bem especial que o marido ao chegar cansado e cheio de fome comeu até se fartar. Depois foi inevitável tirar uma soneca após a comilança. A mulher e a irmã quase não tocaram na comida. O marido sentou-se na porta do sobrado e como já era quase uma tradição, recostou-se nas pernas da mulher que acariciando sua cabeça, cantarolou a música que até então mais gostava: panga lá Panga, panga meu filhinho, Panga lá Panga pega esse bichinho... E adormeceu profundamente. Depois de alguns minutos começou a roncar e roncou cada vez mais alto e mais forte. Ao abrir a boca num ronco mais intenso, Janice percebeu algo preso entre seus dentes, chamou a irmã e lhe pediu uma pinça. Quando retirou alguns pedaços de pano, viu que combinavam com a saia vermelha da jovem rasgada pelo animal, era a certeza que ela procurava; que lhe faltava, rapidamente colocou com muito cuidado a cabeça do marido em uma almofada, correu até o quarto, colocou a espingarda no lugar certo e esperou o momento exato em que ele se transformaria naquela assombração. Quando ele acordou com um sorriso largo e insuspeito, tomou banho e foi trabalhar.

5

Na hora da lida o homem não fez nada, passou o dia de um jeito reflexivo, meio nervoso; se contorcia, hora estalava os dedos e esfregava as mãos, hora coçava a cabeça parecendo arquitetar assombrosos planos. Quando a noite chegou, um tanto morna, um tanto fria, a lua apareceu enorme e redonda. Macário jantou sozinho, as duas ainda pareciam traumatizadas e por isso sem fome. Ele comeu lentamente, fez sua refeição como faz um condenado, ainda estava nervoso. Depois de lavar a própria louça como fosse um marido amoroso, abriu a porta dos fundos e saiu para tomar uma fresca, foi o que disse à sua senhora. Caminhou vagarosamente por um bom tempo até próximo à floresta e pensando que as duas já estavam dormindo, voltou e entrou de um jeito silente no quarto em que Janice estava com a irmã. Aproximou-se da cama, fingiu que batera o pé no criado mudo e contorceu-se todo da forma mais agonizante possível.

Janice deitara do lado em que a penumbra do quarto lhe era favorável e cobrira-se com um fino lençol que lhe permitisse ver os movimentos do homem. Sua irmã um tanto tremula, buscou segurar em sua mão e percebeu que ela estava segurando firme a espingarda do marido. Macário iniciou sua metamorfose suína; começou a se transformar: as unhas apareceram, suas mãos e pés delinearam-se como patas enormes, os pelos negros e felpudos em seu corpo projetavam-se. O focinho veio a surgir no exato momento em que a cabeça dilatou e cresceu. A mulher chorando apontou a arma para a cabeça do marido transformado naquele bicho feio e feroz. Ela tentou diversas vezes apertar o gatilho e não conseguiu. Não adiantavam as rogativas da irmã para que atirasse. Janice em prantos estava paralisada, não podia fazer o disparo. Quando a transformação se completou o porco estava mais brabo que nunca; em fúria, se projetou na direção da mulher para rasga-la com os dentes de javali, mas antes que este a alcançasse um tiro é disparado de fora da casa, pela janela que ainda estava entreaberta atingindo-o em cheio, mesmo baleado ainda tenta levantar-se, o estampido de outro tiro se ouve, esse é à queima roupa, ele morre.

_ Perdoe-me senhora, tive que atirar, eu vi que não teria coragem de matar seu marido. Ele já não era mais o homem com quem casou e sim uma fera ferida disposta a lhe rasgar nos dentes sem dó nem piedade.

_ Como assim ferido?

_ A noite passada eu fui atacado em meu acampamento por esta fera, ela pegou-me de surpresa e consegui feri-la com minha faca, em suas costelas, quando correu, ainda dei um tiro, mas não consegui acertar, segui o animal até aqui próximo de sua casa, então resolvi esperar em campana o resto da noite e o dia todo, ele aparecer, já estava quase desistindo quando resolvi ver a moça do outro dia, foi quando olhando pela fresta da janela por estar desconfiado e vi o exato momento em que ele tentou jogar-se sobre a cama.

_ Então o tiro que escutei esta noite foi o seu e não o dele?

_ Isso mesmo e, para mostrar que lhe digo a verdade, olhe em suas costelas o ferimento à faca que ele tem, não sei como resistiu, foi um golpe profundo. Graças a Deus agora tudo está terminado.

Macário voltara a sua condição de ser humano, porém ainda tinha nos dentes a prova cabal da fera que ele era, os pedaços da saia vermelha da irmã de Janice encrustados em suas presas enormes.

FIM

Pedro da Silva Melo
Enviado por Pedro da Silva Melo em 19/11/2016
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