A Encruzilhada III
Naquele dia Lucinete acordou bem cedo, com a barra do dia ainda rosada e com os primeiros raios de sol. Tomou seu café. Estava feliz, porque ia passar o dia todo na casa de suas amigas e familiares no Lajedo. Depois de muita conversa e de tanto “mãe deixe eu ir”, dona Francinete acabou cedendo aos apelos da filha e de tanto falatório no seu pé-do-ouvido, que acabou dizendo, sim.
__ Você vai, mas vá com cuidado! Estes caminhos são muito perigosos. E se você encontrar uma onça, menina!? Eu não gosto que você ande sozinha, minha filha.
__ Onça, mamãe! Onde é que tem onça por aqui, mulher.
__ Tudo bem, eu deixo você ir, mas você vai me prometer que vai chegar aqui antes das seis horas da tarde, certo Lucinete?
__ E você acha que eu tenho coragem de vim de noite em uns caminhos desses, mamãe! Deus me livre!
__ Pois é, minha filha, o povo diz que estes caminhos são mal assombrados, principalmente, naquela encruzilhada, entre a Chã e o Enjeitado, você não está nem doida de chegar aqui de noite, menina!
Tudo pronto. Café tomado. Mochila nas costas e pé na estrada.
O percurso a ser percorrido nem era assim tão longe, mas a pé era um pedaço de chão bem enjoado e para ser concluído o caminhante ia dar várias pernadas. Na ida, tudo tranquilo, com um pouco de apreensão só ao atravessar a dita encruzilhada. Aos cruzá-la Lucinete faz o sinal da cruz e mesmo assim ainda sente uns calafrios, isso em plena sete horas da manhã.
A conversa entre jovens é a melhor coisa que existe. Em um grupo de amigos e na companhia dos mesmos, o tempo passa voando e quando menos se percebe o dia já tem acabado. Foi o que observou Lucinete.
__ Meninas, o tempo hoje está voando!
__ Calma, mulher, agora que são doze horas, vamos já almoçar, acho que o teu mal é fome.
Almoçaram todos juntos, tudo era só felicidade. Conversa vai, conversa vem, mas o tempo não para e quando Lucinete se dá conta já era mais de cinco e meia.
__ Valha-me Deus que hora é essa, Cipriano?
__ Calma, prima, ainda é cedo! Agora que são cinco e trinta e cinco. Não se avexe, não. Você dorme aqui e vai só amanhã.
__ Posso não, que minha mãe me mata. Já estou é indo. Tchal, meninas, até logo para todo mundo. A bênção tia, a bênção tio. Fui...
Lucinete só deu tempo de pegar a mochila, por sobre as costas e pernas para que te quero. Ofegante, suada e já quase tudo escuro, segue seu caminho rumo a sua casa, mal sabendo o que iria enfrentar pelo caminho.
E você que está aí, acompanhando tudo, já sabe o que ela vai enfrentar? Você ao menos é capaz de imaginar os momentos pelos quais Lucinete irá passar. Era um começo de uma linda noite. Uma noite escura de puro breu, em que pouco se percebia até o brilho das estrelas. Para completar, Lucinete encontrava-se sem nenhuma fonte de luz, pois tinha deixado a casa dos parentes na mais alta pressa. Deveria ter providenciado ao menos um facho para iluminar o seu caminho, já que estava decidida a voltar para casa. Certo é que quando começa a cair a noite e a visão começa a falhar devido a escuridão, o medo começa também a aparecer na mente da pobre moça. Até, então, tudo aparentemente estava tranquilo, caso não fosse, os piados das corujas e dos caburés. Toda vez que ela ouvia o canto da mãe-da-lua, ela se arrepiava toda. A moça quase desmaia, quando o rasga mortalha, rasgou a poucos metros de onde ela estava.
Nessa hora ela começou a chorar baixinho. Estava totalmente sozinha, desprotegida, no puro breu, daquele caminho assustador. Começou a pensar na mãe, na sua cama quentinha, mas naquela hora tudo era apenas frio, medo e solidão que foi intensificado quando ela começou a ouvir de repente o vento soprar na copa de apenas algumas árvores, pois não havia vento naquela noite, estava tudo paralisado, assim como Lucinete a fazer está observação. Não era um vento generalizado, mas sim, um vento localizado, primeiro a sua frente, depois na parte de trás, intercalando de um lado para o outro e Lucinete já estava doendo as vértebras do pescoço de tanto fazer os movimentos.
Lucinete começou a ficar toda inchada, cabelos eriçados e extremamente apavorada quando percebeu que se aproximava da encruzilhada e entra em estado de choque quando ao se aproximar mais do local ver que além dos ventos setoriais, passou a observar pequenos fragmentos de luz, não um nem dois, mas vários espalhados por todo o seu caminho, parecia que o céu tinha despencado e todas as estrelas estavam no chão e quase morreu quando descobriu que os pontos luminosos eram velas acesas. Ela pensa em voltar, mas lembra-se da promessa feita à mãe. Em estado de choque, vai lentamente cruzando o caminho, de súbito decide virar bruscamente para trás e vocês nem imaginam a visão que Lucinete viu. Ao virar-se, Lucinete se depara com quem ela nunca imaginou na vida e não era um fantasma do outro mundo, Lucinete ficou frente a frente consigo mesma, vendo sua imagem refletida em um espelho no meio do caminho. Nessa hora ela desmaia. Ela passa, alguns minutos, desacordada e ao abrir os olhos lentamente, pensa está em casa e que tudo aquilo era somente um terrível pesadelo, ledo engano, contudo, ela percebe que está deitada numa areia fria e branca e recobra os sentidos da forma mais apavorante possível, pois a primeira coisa que ver, são velas a sua volta, não velas brancas e transparentes, mas velas de todas as cores, exceto brancas.
Tudo era medo e pavor, naquele momento, ela quase desfalece novamente, mas uma miragem prende sua atenção no meio da encruzilhada. Ela não sabia se era uma alma, uma assombração ou uma pessoa viva que vinha lentamente em sua direção. Lucinete deitada no chão, apenas observava aquele espectro humano se aproximando, quando chega bem perto ela sente um alívio enorme, como nunca havia tido a necessidade de sentir.
__ Mãe... É você, mamãe! Eu estou morta?
__ Calma, minha pequena, eu falei que não era para você ser desobediente. Agora você vai para casa.
__ Mas...
Pedro Barros.