A Presa
O cabelo esvoaçante da moça ia de um lado a outro, eram negros, lisos e brilhantes. O brilho da lua iluminava seu semblante de felicidade, o sorriso largo, a pele parda se ascendia ao receber a iluminação lunar. O rosto angelical lhe dava um ar juvenil e inocente. Suas vestes cobriam-lhe apenas os seios e o sexo, o corpo delgado, porém firme e experiente lhe dava o suporte necessário.
Freou um dos pés e derrapou enquanto fazia a volta. Franziu o cenho e sorriu maliciosamente ao escutar o rugido agudo e feroz. A mata estava encantadora, o ar gélido da noite farfalhava as copas das árvores emitindo um som agradável. As patas faziam com que os galhos secos estourassem ao serem esmagados e os matos balançassem ao encontro; e quando a índia viu os vaga-lumes voarem para longe contrastando um brilho divino com a noite, ela sabia que era à hora.
A onça-pintada apareceu num pulo, rugindo e abrindo a boca ameaçadoramente. Novamente a índia sorriu faceira e abriu os braços; ciscou com os pés e não parou de encarar a onça. A felina rugiu mais uma vez balançando graciosamente o rabo e pulou. A índia pulou ao seu encontro, jogou a cabeça para o lado e com as mãos agarrou o pescoço da onça com firmeza.
As patas da onça agilmente foram às costas da índia e lhe arranhou toda, com precisão a empurravam para longe, porém A índia era sagaz e muito esperta, trazia consigo todas as lendas sobre o animal, todas as histórias de seus familiares e a tradição de seu povo. Fechou os olhos momentaneamente e sussurrou para si pedindo proteção a Tupã. Quando abriu os olhos novamente seu rosto estava próximo a boca da onça, que vinha atacando-a.
A índia esquivou-se e ao caírem no chão deu um bote na onça jogando-se para trás da felina, cruzando as pernas em torno do tronco e as mãos ainda agarrando o pescoço feroz do animal que rugia e se debatia. A índia quedou-se de traseiro no chão e torceu o pescoço da onça com dificuldade.
O animal acalmou-se, o estralo de seu pescoço acendeu a preocupação e o receio na onça. Estava acuada e completamente controlada pela garota que a segurava firme, pressionava as pernas apertando o abdômen da onça e mantinha as mãos firmes em torno do pescoço do animal. O olhar de ira mesclado com instinto de sobrevivência pulsava dos olhos da índia. Suas lágrimas rolaram.
Com muita agilidade a índia soltou o pescoço da onça e voltou a prendê-lo com os braços, a onça rugiu baixo, acuado e como quem pede socorro. Em um ataque certeiro a índia torceu os braços e o pescoço da onça deu um giro rápido, as patas da onça caíram sem movimento, a imobilidade se estendeu por todo o corpo e a cabeça pendeu para o lado. A índia compreendeu o fato, desarrolhou-se da onça devagar enquanto suas lágrimas caíam copiosamente.
A índia deu uma volta em torno da onça morta e pegou seu rabo puxando-a para frente. Arrastou a felina por um caminho longo e quando despontou da mata enfrente sua aldeia, o pequeno grupo que restara correu aliviado atrás dela, ao notarem que a onça estava sendo carregada chocaram-se. Naquele mesmo dia, poucas horas atrás, a onça atacara sua aldeia. Ceifou a vida de muitos índios que não conseguiram se proteger e vencer a inimiga.
Agora, sua aldeia não precisava mais se preocupar com aquela predadora, poderiam aproveitar da tranquilidade no mesmo instante que saciam a fome com a carne da presa.