Senhorita Revolução
A pressão no meu peito faz a boca grunhir,
Oh pressão matante por que parastes aqui?
A pressão que concedes faz o sangue sair,
Já faz tem que você
Oh pressão
Deveria ir
Assim eu encerrava mais uma noite de show num bar qualquer de Jurupari,sem aplausos, pegava os trocados, meu casaco surrado e a sombrinha sempre úmida que já estava em fase avançada de ferrugem, enfrentaria na penumbra da madrugada mais uma longa caminhada até meu apartamento. Apesar de na maioria das vezes ser apenas a mulher que canta e ninguém liga, como diziam, e mesmo quando me apontavam como uma artista de primeira viagem, só eu sabia que desde pequena tentei sobreviver da música.
Era tão apaixonada pela arte de me expressar que quando o microfone estava à espera de meus lábios carnudos, nada mais existia, apenas uma voz e uma chama de justiça no coração. De todos os modos eu evitava ouvir as músicas atuais, sempre soubera que esse tipo de música era apenas uma formar de prender os jovens a uma realidade alternativa, completamente estúpida que só recitava amores, traições, putaria e nada mais. Com a perene ajuda da peculiar secretaria de lazer que financiava alguns artistas e outros, como eu, perseguiam.
Sim, perseguiam. Os gigantes de espuma - o governo – não brincavam em trabalho. Apesar de tamanha repressão e barbárie que aquilo poderia parecer, não passava de políticas ditas democráticas para barrar o avanço do fantasma do comunismo. Discurso comumente usado em qualquer situação.
Gigantes de espuma porque um simples sopro poderia derrubá-los. No entanto, ninguém tinha o fôlego ou a coragem para assoprar. Na verdade eu tinha e esse era o meu propósito todos os dias nos bares, mesmo sabendo que apenas alguns ouvidos fossem tocados pelas minhas letras e que o que estava fazendo era muito perigoso. Esse era meu propósito, acender a chama da esperança.
Por partes, a tentativa de criticar os gigantes deu certo, pois alguns rostos se tornaram frequentes mesmo em diferentes bares, principalmente o de um homem misterioso extremamente branco que sempre usava uma boina preta, conseguia sentir que aquele homem prestava atenção em minha letra. Por outro lado era frustrante saber que essas críticas que estariam na mente de poucos, não faria nenhuma mudança grande.
Minha vida a partir desses shows prometia ser turbulenta e um marco, porém um marco que seria apagado pela censura, como eu dizia “pela opressão dos gigantes de espuma”, assim como tinha sido minha infância, turbulenta e apagada. Nada mais material havia sobrado de quando era pequena, apenas lembranças. Lembranças de um passado sangrento, de cortiços queimados, de pessoas baleadas e de crianças tiradas de seus pais à força, outras como eu, felizmente ajudadas pelas pessoas que sobraram.
A imagem que vem todas as noites em minha cabeça é a da minha mãe levando um soco de um policial e depois caindo no chão como lixo, sendo pisoteada, tratada como um animal em um matadouro. Na composição de todas as músicas tentava deixar claro a minha revolta, a saudade da minha mãe e o sentimento de revolução, mesmo que fosse um crítica apagada eu não a deixaria morrer, eu não seria mais uma pessoa apagada, estúpida ou alienada de Jurupari. Era perigoso fazer os shows, mas minha tensão chegava ao pico e não tinha sensação melhor que burlar as merdas das regras dos gigantes.
Foi tão especial, que em uma noite qualquer voltando para casa e fumando lentamente um cigarro o estranho de boina caminhou ao meu lado durante bom tempo e após um silêncio sumário tomou coragem para falar em voz baixa, com certeza com medo dos gigantes, palavras que marcaram o resto da minha vida.
“Dos significados de sua canção todos são únicos, incompreensíveis até, mas consegui entender suas entre linhas, todas são assustadoramente reais, talvez até um soco no estômago com efeito retardado. Me chamo 075, faço parte da COPEIA, você já ouviu falar tenho certeza, se quiser se juntar a nós me siga. Você tem um dom incrivelmente belo pra nos ajudar a destruir os Gigantes de Espuma. Cuidado se escolher nos seguir. A Luta É Pra Valer E É Agora ”