A Nau e os Náufragos
Perambulando por este país de meu Deus, fui parar em um condado que, praticamente não havia nada, exceto uma igreja de uma porta de uma folha, meia de dúzia de casas carcomidas pela ferrugem da intempérie, muitos cães sarnentos tocando viola ao coçar as pulgas no coreto da praça, gatos ronronando a miséria diária e um casarão velho, transformado em restaurante, cujo nome é: "Restaurante da Família". Por ser o grande algoz do homem, apresentei-me no estabelecimento. A fome devorava as minhas vísceras.
- boa tarde, cara irmã. Quanto tempo. Como é prazeroso revê-la.
- sim, quanto tempo! Em nome da verdade, nem sei se lembro de você, meu irmão.
- recorde ou não, o que interessa é que estamos frente a frente. Qual é o prato do dia?
- temos todos esses aqui. - e passou-me o cardápio. Completou: "antes de qualquer coisa, sinto em ter que dizer-te, que o restaurante é da Família, mas parentes próximos ou longe, também pagam".
O Brasil é realmente diverso e encontramos de tudo; e embora não reconhecidos, até familiares de primeiro grau fecundados por Eviadão.
1 dia de Jesus Cristo
Ao ver todos ali, encurralados, tristonhos, confinados feito animais esperando o toque da sineta para liberá-los para o abate coletivo, eu celebrei o Sermão, dizendo aos fiéis e infiéis, negros e brancos, iguais e desiguais, hetero e homossexuais, justos e injustos, sapos, gafanhotos, baratas e ratos, honestos e desonestos, pombos e pardais ilhados na enchente em SP: "levantem, criem asas, voem, caminhem e quebrem as ondas no peito. A Terra seca vos espera do outro lado! Vocês podem; vocês querem; vocês conseguem, pois ao reunir a manada em número maior, os jacarés e tubarões dormem famintos. Acreditem".
Ao que alguém rosnou: "Terra seca? Se não sei para que lado gira o mundo, consequentemente, de quê lado está a Terra seca"?
- não sei. Ainda não atravessei o rio. Estou sem a arca de Noé e colete salva-vida. Para caminhar sobre essa imensidão de águas, só pés- de- pato é pouco. Assim que eu fizer a travessia, o que espero que seja antes das águas abaixarem, dou maiores detalhes e respondo sua indagação com maior clareza. Direi-lhes com certeza, o caminho das pedras.
E prossegui com o coração amargurado por não poder fazer mais que proferir palavras de incentivo e apoio moral, cara e coragem, quebrando as ondas no peito.
Viajar em Nau flutuante é uma tremenda aventura; e somente o anfíbio que respira Vida sob as águas e terra firme, sabe.
O resto? Ora o restante são pêndulos insípidos, sem perfume e sem sabor pendurados nas paredes de ambientes embolorados e escuros, oscilando disciplinadamente, ordeiramente pra lá e para cá, sem sair do lugar. Porém, em um dia ou noite qualquer, param por falta de energia, ou corda.
P.S.: em plena era da comunicação instantânea, orgulham-se da ignorância alienadora diplomada; e desprezam o bom senso e a racionalidade inteligente dos que sentiram a dor na alma, pois presenciaram os naufrágios das Naus a olhos nus.
Definitivamente, mais que nunca, por aqui não há sinais de inteligências, naturalmente aproveitáveis. Como consolo, resta o aforismo dos sábios, que diz que não há nada tão ruim, que não fique pior. Por acreditar nos verdadeiros visionários humanos, sofro menos.