A Hipótese

Xenófanes sobe ao proscênio do anfiteatro e vê Filólogo, o autor teatral, inspecionando a grua de madeira, responsável por erguer e baixar no palco os atores no papel de deuses.

- Conferindo para ver se a grua suporta o peso do Pítio? - Indaga com ar de riso.

- Oh, aguenta sim - afirma o dramaturgo, pensativo. - Mas ele não vai interpretar Apolo, desta vez...

- Vai dar-lhe uma promoção, virá como Zeus, talvez? - Sugere Xenófanes.

- Não... estou pensando em fazer algo diferente desta vez. Na minha nova peça satírica, Pítio será Esão, um astrônomo, e vai entrar em cena pela grua. Como um deus.

- Muita gente vai ficar surpreendida; - opina Xenófanes - eu mesmo, se você não estivesse me contando. E como vai justificar essa aparição divina de um mortal?

- Esão salva a vida de um sátiro, e este, em retribuição, lhe revela o que comem os cavalos de Hélio.

- Algo sobrenatural, imagino - pondera Xenófanes.

- Capim - replica Filólogo. - Não qualquer capim, claro; capim que só cresce no monte Olimpo.

- Quem poderia dizer... - filosofa Xenófanes. - E esse capim mágico, suponho, é o que faz os cavalos de Hélio voarem pelo céu...

- Precisamente. E o sátiro fornece a Esão uma amostra do citado capim, a qual ele come... e voa pelos ares. Neste momento, a grua o desce no palco.

- O coro vai a loucura, creio - antecipa Xenófanes.

O dramaturgo o encara como que antegozando a reação do público.

- Apenas vou dizer que em certa altura eles gritam: "este homem come capim"! E é então que entra em cena Alípio, um comerciante ganancioso; Alípio imagina que se puder alimentar seus cavalos com o capim do Olimpo, poderá transportar mercadorias pelos ares, batendo todos os seus concorrentes. O que ele não sabe, é que Esão tinha apenas a pequena amostra que lhe deu o sátiro...

- Não seja desmancha-prazeres me contando como termina essa magnífica sátira - interrompe-o Xenófanes, erguendo as mãos. - É tanta novidade que já o vejo como vencedor das Festas Dionisíacas deste ano!

Filólogo volta a apresentar a expressão pensativa com que Xenófanes o havia encontrado em sua chegada.

- Vamos devagar com o andor... eu comecei pelo drama satírico, porque era mais fácil. Mas ainda tenho que escrever três tragédias para poder participar da competição, e isso são outros quinhentos dracmas.

- Se o tema visado é a cobiça, certamente não lhe faltará inspiração, meu caro - exorta-o Xenófanes. - Vamos, sei que consegue!

Filólogo olha para a grua, que se ergue atrás do proscênio. Depois, ergue os olhos para o céu azul da Grécia sobre sua cabeça, como que em busca de inspiração divina.

- [28-11-2019]