Lembranças da Guerra
Subíamos a montanha. Éramos dez soldados. Cinco brasileiros conduzindo seis mulas carregadas de munição e ração para a tropa que estava na linha de frente, lutando contra os nazistas, e cinco americanos que nos davam cobertura. Era uma manhã fria na Itália e aquela floresta de pinheiros estava úmida e fria. Meus pés estavam gelados, apesar das meias e das palhas que havíamos colocado dentro dos coturnos. Estávamos todos calados e só nos comunicávamos por sinais. É estranho como em uma guerra o medo toma várias formas e como a vontade de manter-se vivo faz com que você desenvolva vários sentidos que na segurança de nossa vida cotidiana não utilizamos. Ouvíamos o matraquear das metralhadoras bem distantes, mas, tínhamos que ter cuidado, naquele tempo, nenhum lugar da Itália era seguro. Naquele bosque não havia aves ou animais, só pinheiros altos e que poderiam vir abaixo caso houvesse um confronto ali. Do meu lado estava o cabo Silva, um baiano de salvador que já havia entrado em combate contra os alemães uma vez, tinha os olhos muito abertos enquanto carregava seu fuzil Springfield 1903 A3, que havíamos recebido dos americanos. O sargento americano, que liderava aquela missão, um texano, parecia muito à vontade naquela situação e gesticulava continuamente para o pelotão, fazendo com que nos movêssemos com cuidado. De repente, ele parou, fez com que estacássemos e ficássemos quietos. Ele fez menção de ter ouvido alguma coisa a nossa frente montanha acima. Eu não conseguia ouvir nada, só o metralhar ao longe. Dois soldados americanos avançaram por entre os pinheiros para verificar o que estava acontecendo. Alguns minutos depois, eles voltaram. Tinham avistado doze alemães agrupados entre algumas pedras mais acima e estavam comendo suas rações. Pelo jeito haviam patrulhado a noite inteira por trás de nossas linhas e estavam reconhecendo o território. O sargento americano ordenou que o soldado Pereira ficasse com as mulas e nos ordenou que avançássemos contra os alemães em forma de um delta. Fui pela esquerda dos alemães com o cabo Silva e nos posicionamos atrás de dois troncos grossos de dois pinheiros numa provável saída daquele círculo de pedras em que estavam escondidos os alemães. Percebemos quando os americanos atacaram as duas sentinelas de maneira simultânea, sem barulhos. De repente a cobra começou a fumar pra cima dos alemães, foi tudo muito rápido, estávamos ali a postos, e quando nos preparávamos para ir contra o grupo por nosso lado, nos defrontamos com três soldados alemães que vinham correndo em nossa direção com suas metralhadoras em punho, o cabo Silva atirou rapidamente com seu fuzil atingindo um dos alemães e antes que pudesse alvejar outro foi atingido por uma rajada de metralhadora. Eu consegui me jogar atrás de uma pedra e fiz fogo contra os dois soldados restantes, eles estavam semi - escondidos na erosão de duas grandes pedras. Eu sentia uma descarga tão grande de adrenalina percorrer minha espinha que não ouvia mais nada e meu corpo e espírito estava todo ligado àqueles dois soldados inimigos. Posicionei meu fuzil e fiz pontaria no soldado que estava a minha esquerda, quase metade de seu corpo estava descoberto, pus a mira na altura do rim e atirei, o soldado alemão caiu se contorcendo. O outro soldado disparou várias rajadas em minha direção e faíscas de fogo e lascas daquela pedra voavam sobre mim. Manobrei novamente o meu fuzil, procurando uma chance para alvejar aquele soldado, mas ele disparava a sua metralhadora contra mim, sem me dar a chance de atacá-lo. Fiquei debaixo do fogo daquele soldado durante alguns minutos. De repente percebi que os soldados de meu pelotão vinham contra ele do outro lado, o alemão percebeu que a sua única chance de escapar era vir pra cima de mim que estava sozinho. E ele veio, disparando a sua metralhadora e correndo pra cima de mim como se o inferno estivesse atrás dele. Eu estava deitado atrás daquela pedra que parecia que ia se despedaçar a qualquer momento sob o impacto daquelas rajadas. Ele teria que passar do meu lado. Numa fração de segundos pulei sobre ele, como uma fera se atira contra a sua presa. Caímos, perdi meu fuzil e ele a sua metralhadora. Atracamos-nos, ele tentando arrancar a sua pistola Luger e eu a minha faca, enquanto apertávamos a garganta um do outro com a outra mão que tínhamos livres. Tive força para arrancar a minha faca antes que ele conseguisse sacar a sua pistola de dentro daquele coldre negro. Cravei minha faca em seu pescoço e puxei duas vezes. Suas mãos se soltaram de meu pescoço, jatos de sangue voavam das feridas e golfadas saiam da boca daquele soldado alemão. Eu me coloquei de pé, minha cabeça girava na velocidade da terra. O pelotão acabara de chegar ali e eu, de olhos abertos, fixos no nada, vendo a casinha de meu pai numa chapada distante de Minas Gerais.