Ping Heng - A Ordem Capítulo I

Sinopse:

Jovens problemáticos são enviados a um acampamento, onde enfrentarão grandes desafios e aventuras para restabelecer o equilíbrio do universo e, o mais difícil, conquistarem o autoconhecimento.

Os Battlefield

Quando Arthur Battlefield abriu os olhos naquela manhã cinzenta, sua cabeça latejava tanto que parecia que ia explodir. Maldita ressaca. Maldito despertador. Maldito despertador. Sentou-se devagar, enquanto a suíte da mansão – equipado com tudo o que há de mais moderno em tecnologia e design de interiores – girava diante dele. Por que mesmo que ele estava de ressaca? Ele não fora ao bar... ah, claro, a balada. Mas, espera aí, se hoje era segunda feira, por que cargas d’água ele fora parar na balada em pleno domingo, sabendo que teria de ir à escola na segunda de manhã? Ele se lembrava vagamente que tinha algo a ver com uma garota... uma garota oriental, talvez. Não, talvez não, ela era definitivamente oriental. Mas o que é que tinha a garota? Devia ter centenas de garotas na balada, sempre tinha. Mas por que ele se lembrava dela assim? Ai, ai, ai, que confusão.

Levantou-se e foi ao banheiro. Despiu-se e entrou embaixo do chuveiro. A água quente parecia desanuviar um pouco a mente entorpecida. Ele recebera um SMS, agora se lembrava. “Esteja na balada hoje à noite. Precisamos conversar”. Só isso. Sem nenhuma identificação, número desconhecido. Não devia ser nada sério. Talvez tivesse sido uma garota da escola. Amor platônico, coisas do tipo. Ou talvez fosse o namorado de alguma garota. Nesse caso, ele estaria acompanhado de Joe e Greg.

Pra falar a verdade, em qualquer caso ele estaria acompanhado por Joe e Greg. Os três amigos nunca recusavam um convite pra balada. Mesmo que esse convite viesse por um SMS se identificação. Claro, era muito insensato, especialmente no domingo. Mas e daí? Quem disse que eles eram sensatos¿ O juízo passava longe daquelas cabeças. Greg, pelo menos, era viciado em refrigerantes de cola, e nunca tomava outra coisa. O que significa que ele, ao contrário de Arthur, não ficava bêbado. E Joe, muito ao contrário de Arthur, tinha uma tolerância a álcool imbatível e, por mais que bebesse, nunca ficava bêbado. Ambos já tinham livrado Arthur de muita enrascada quando ele estava bêbado. O que não fazia deles os mais ajuizados, mas fazia de Arthur o menos ajuizado. Maldita intolerância a álcool. Bastavam duas ou três latinhas de cerveja pra deixa-lo tonto. Ai, que dor de cabeça.

E daí aquela garota apareceu na balada. Era uma garota bonita. Ele tinha quase certeza de que ela usava um vestido branco. Não, era certeza. Mesmo. Ele nunca saberia dizer se ela tinha doze ou vinte anos. Ela tinha corpo de mulher, mas o rosto o deixava confuso. Parecia inocente e sensual, meio... indefinível. Ela sorrira e se aproximara, como mais de vinte haviam feito naquela noite. Arthur achou que ela ficaria com ele e dançaria com ele por um tempo, como as outras mais de vinte haviam feito. Em vez disso, ela pegou alguma coisa na bolsa, colocou entre as mãos de Arthur e disse:

- Em breve você receberá o chamado. Atenda-o – assim como você atendeu à mensagem. É para o seu próprio bem. O mundo precisa de você. Você será esclarecido, não se preocupe. Você saberá quando chegar a hora. Boa sorte, Arthur Battlefield.

Ela sorrira novamente e saíra, deixando um Arthur boquiaberto seguindo-a com os olhos, até que ela se perdesse na multidão. Como ela sabia seu nome?

Arthur fechou o chuveiro, enrolou-se na toalha e voltou para o quarto.

Abriu a porta do closet habitado por numerosas roupas caríssimas – azuis e pretas, na maioria. Hoje ele optaria pelo preto: jeans pretos, camiseta preta, jaqueta de couro preta, meias pretas e tênis pretos com detalhes em azul marinho. E um brinco com uma pedra de safira – azul brilhante – para a orelha esquerda. Vestido, começou a arrumar os cabelos lisos, tão pretos quanto as roupas, enquanto fazia uma análise geral de seu reflexo no espelho. Por algum motivo, ele sentia a tatuagem do tridente de Poseidon no braço direito, agora ocultada pela jaqueta, como se ela estivesse relembrando a sua presença, ainda não notada pelos pais de Arthur – como tantas outras coisas que ele fizera.

Dezessete anos, rico e bonito, o sonho de qualquer garota. Qualquer uma teria ficado com ele, mas não a oriental de vestido branco. Ela preferira lhe dizer que ele teria que salvar o mundo, e lhe dar aquela corrente de prata, com um pingente de um símbolo chinês – ou japonês -, preto e branco, do qual ele não lembrava o nome. Ela devia ter exagerado na bebida. Mas ele gostava do pingente. Talvez ele lhe trouxesse sorte, de alguma forma. Colocou a corrente no pescoço, escondendo-a sob a camiseta.

Ele sabia muito bem que dinheiro não trazia felicidade. E esse pensamento foi tão súbito que Arthur assustou-se. Ele pegou a mochila e saiu do quarto. Um bom café da manhã – e um remédio para dor de cabeça – era do que ele precisava.

Assim que fechou a porta, Arthur ouviu a voz do irmão caçula, Andrew:

- Bom dia, Art.

Em situações normais, ele teria respondido com um “bom dia pra quem?” ou simplesmente um “cala a boca”, mas tudo que pôde murmurar foi:

- Minha cabeça tá doendo.

- Ah, cara, não acredito que você tomou outro porre! Achei que tivesse prometido ao papai que se esforçaria para melhorar...

- Mas eu melhorei! – Protestou Arthur – Nem cheguei a vomitar...

- Bom saber que seus amigos te tiraram do salão antes que pudesse dar vexame... – Provocou Andrew.

- Não fique ai admirando o idiota do Greg só porque ele é movido a refrigerante. Ele faz mais idiotices sóbrio do que eu bêbado. E o Joe, então, não é exemplo de nada – nada além de tolerância a álcool, mas isso não o torna mais digno.

- Tem razão. – Ironizou Andrew – Não vou ficar admirando ninguém mais tolerante a álcool do que você, afinal, não é algo muito difícil de se encontrar. Você é o cara mais “embebedável” que eu conheço... – Caçoou, já esperando pelo soco do irmão.

Claro, Arthur sabia que Andrew tinha toda razão, mas jamais admitiria isso. Em situações normais ele teria retribuído com o soco já esperado, mas algo lhe dizia que ele precisaria do irmão em breve, e precisaria dele inteiro. Portanto, respondeu apenas:

- Você é um nerd bebezão, não sabe nada sobre bebidas.

Andrew Battlelfield, quatorze anos, magro, alto, de cabelos dourados e olhos castanhos inteligentes, sabia muito mais a respeito de bebidas do que o próprio Arthur, embora nunca tivesse provado álcool. Aliás, ele sabia muito de muita coisa. Era do tipo que vivia com a cara enfiada nos livros.

Se Arthur não estivesse com tanta dor de cabeça, repararia que Andrew estava muito preocupado.

Andrew sempre se preocupava com o irmão, mas suas preocupações tinham aumentado esse ano. Ele sabia como Arthur se ressentia porque seus pais nunca estavam por perto e como ele encontrara nas bebidas um jeito de chamar a atenção. Mas antes ele ia pras baladas somente nas sextas e não voltava muito depois da meia noite, nem muito bêbado. Então, ele começou a chegar cada vez mais tarde e cada vez mais bêbado. Muitas vezes ele nem dava notícias, e só voltava no domingo à noite. Ou nem voltava, e ia direto pra escola, na segunda, com Joe e Greg.

Mas isso ele só costumava fazer quando os pais estavam em casa. Caso contrário, ele não costumava ser tão grosseiro com Andrew, e voltava da balada lá pelas cinco da manhã do sábado.

Desde o início daquele ano, porém, Arthur passara a ir aos bares com os amigos durante a semana, com muita frequência. Andrew temia que ele pudesse virar um alcoólatra, ou que se metesse em encrencas maiores. Nesse final de semana ele havia, definitivamente, passado dos limites: chegara bêbado pela manhã, no sábado, como de costume, mas saiu de novo à noite, e só chegou às duas da manhã, na segunda, ainda mais bêbado.

Mas agora ele já estava melhor, apesar da ressaca. Seria bom se ele ficasse sóbrio logo, porque coisas muito estranhas haviam acontecido na noite passada e ele precisava contar a alguém. Não que ele costumasse desabafar com Arthur, afinal ele não era o melhor psicólogo que alguém poderia encontrar. Porém, Andrew não tinha mais ninguém pra quem contar o ocorrido. Talvez fosse besteira, mas podia ser arriscado envolver mais gente. Por que¿ Porque ele não tinha a mínima ideia do que se tratava. Arthur caçoaria dele, claro, mas ele tinha que falar.

Quando os irmãos chegaram à cozinha, Nana, a governanta, já os esperava com o café da manhã na mesa. Nana tinha seus cinquenta e poucos anos, uma senhorinha rechonchuda e rosada, de olhinhos pequenos e sorriso agradável, que cuidara dos garotos como se eles fossem os filhos que ela nunca teve. Ela era mais mãe pra eles do que a própria Júlia Battlefield. Ela viu logo que Arthur precisava de um de seus “chazinhos mágicos” contra ressaca, e que Andrew parecia muito agitado, embora não fosse lhe contar o motivo.

- Bom dia, queridos! – disse Nana – Andrew, meu bem, você está péssimo! Vamos, sente-se e tome uma boa xícara de chá. – Agora, muito séria, lançou um olhar zangado a Arthur e sacudiu um dedo em sua direção – Arthur Battlefield, seu menino levado, de ressaca de novo! Não sei até quando esse meu pobre e velho coração vai aguentar de preocupação com você! – Fez uma pausa, para dar peso às suas palavras, e continuou em um tom ligeiramente mais brando: - Eu já sabia que isso ia acontecer, então preparei um chá que vai te deixar sóbrio num instantinho. Beba tudo, sem fazer cara feia, ouviu¿ E sem demora, ou vocês vão se atrasar para a escola.

Arthur sorriu, derretendo totalmente aquela Nana zangada que resolveria todos os problemas do mundo com “uma boa xícara de chá”. Ela era a última pessoa no mundo que Arthur gostaria de fazer sofrer. Ele a amava. Mas ele já perdera o controle da situação há muito tempo. Fora necessário. E a pobre Nana quase morria de preocupação por causa dele.

Os garotos eram tudo para ela. Ela os amava, demais. Porém, Arthur ainda era mais especial: agora que seu garotinho vinha se tornando um homem, ele a fazia lembrar seu falecido marido, o único homem a quem amara durante toda sua vida. Os olhos azuis profundos que uma vez fizeram-na cair de amores - e também de dores, quando seu marido lhes disse, num último suspiro, que a amaria para sempre – eram os mesmo olhos que agora olhavam com repugnância para o chá de Nana. Nana suspirou.

- Beba logo Arthur, só lhe fará bem, garanto.

Arthur deu de ombros e bebeu o chá, fazendo uma careta no final. Sabia Deus o que é que ela tinha colocado ali, mas o efeito era quase instantâneo, e, apesar do gosto horrível, era melhor do que passar o dia com dor de cabeça.

Arthur sentou-se e se serviu. Agora ele podia ver nitidamente que algo incomodava o irmão. Só que Andrew não diria uma palavra enquanto Nana estivesse ali. Ele precisava de uma desculpa para tirar Nana da cozinha. Teve uma ideia:

- Ei, Nana, será que você poderia me fazer um favor¿

- Claro, querido.

- Bem, é que... hum... – Ele odiava mentir pra Nana, mas daria um jeito de fazer aquilo ser verdade. – Joe, Greg, Elizabeth e Audrey virão aqui depois da escola e... meu quarto tá uma bagunça completa. – Isso, pelo menos, era verdade. – Dava pra você dar uma ajeitadinha por lá¿

Nana entendeu a indireta, mas fez que caiu na conversa:

- Com certeza, meu bem. Vou fazê-lo agora mesmo. Mas é bom que o senhor não se meta em nenhum rolo com essa tal Elizabeth, ouviu¿ Você não vai querer ninguém que use shortinhos menores que a própria calcinha como namorada, acredite.

Arthur sorriu. Ele queria namorar Elizabeth, mas não ia decepcionar a boa Nana, e ela precisava sair da cozinha logo.

- Claro que não, Nana, relaxa, eu sei me virar...

- Ah, não sabe, não. – Disse Nana, enquanto deixava a cozinha.

Arthur esperou até seus passos sumirem, e então abordou o irmão:

- Que tá pegando, garoto¿ Algum problema¿

Andrew mexia e remexia seus ovos com bacon nervosamente, sem comer nada.

- Eu conto, mas só se prometer que não vai caçoar.

- Isso eu prometo. Só não prometo cumprir minha promessa...

Andrew sabia que não conseguiria nenhum acordo melhor, então começou logo a contar:

- Recebi um SMS de número desconhecido e sem qualquer identificação ontem à tarde.

Um arrepio de mau pressentimento percorreu a espinha de Arthur. Já assisti esse filme.

- A mensagem dizia: “Esteja no cinema hoje à noite para sessão das 19h. Precisamos conversar.”

Agora era Arthur quem remexia os ovos com bacon.

- Eu não sei exatamente o motivo –Andrew continuou -, mas eu tinha que estar lá. Era mais forte do que eu. E, pra ser sincero, achei que talvez, apenas talvez, pudesse ser... você sabe...

- A Ashley – completou Arthur, sem poder evitar um sorriso, ao ver o irmão corar.

- Bom, eu fui ao cinema com o Josh, porque também podia ser uma armadilha dos idiotas da minha sala, e o Josh é grande o suficiente pra botar medo em pelo menos alguns deles... Na metade do filme, quando eu já estava começando a achar que tudo não tinha passado de uma grande bobeira, uma garota de vestido branco se sentou na cadeira ao meu lado.

- E ela era oriental – adivinhou Arthur.

- Sim, mas como você...¿

- Palpite de sorte. Prossiga.

-Ela sorriu, tirou alguma coisa da bolsa e colocou entre as minhas mãos. Então ela disse algo sobre salvar o mundo e que eu saberia o que fazer quando chegasse a hora.

- Depois ela te desejou boa sorte. E ela sabia seu nome. E quando você viu você tinha em mãos uma corrente de prata com um pingente do...

- Eu não acredito que cai em mais uma de suas pegadinhas, Arthur! – Andrew estava vermelho de raiva.

Arthur tirou a corrente e mostrou ao irmão:

- Eu também recebi um SMS estranho, e tinha uma oriental de branco na balada, que me deu essa corrente, e que sabia meu nome, e que quer que eu salve o mundo de eu sei lá o quê!

Andrew não teria acreditado, se Arthur não parecesse tão em pânico quanto ele próprio.

- Andrew, você sempre sabe das coisas, você tem que saber alguma coisa sobre esse troço preto e branco.

Andrew sacudiu a cabeça, desanimado:

- Li algo sobre isso, mas há muito tempo, não me lembro mais. Só sei que tem a ver com o equilíbrio entre o bem e o mal. É uma filosofia chinesa, ou japonesa, eu não sei. Chama-se Yang-Yin.

O chofer buzinou. Eles estavam atrasados para a escola.

Gabi Correia
Enviado por Gabi Correia em 11/11/2013
Código do texto: T4566640
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