O remanescente

Crepúsculo...

Principiava-se a noite de um dia terrível. Expectorava sangue... A dor era ainda maior agora que meu corpo esfriou, fazendo-me respirar com dificuldade sufocadora. Meu ombro destro, varado por um disparo inimigo; doía, ardia, sangrava...

Meu uniforme estava em frangalhos. Eu todo era só andrajos; reflexo muito desfocado de um homem. Foram dias alucinantes... Eu suava muito. Tremia. Tossia. Tentando produzir saliva para banhar minha garganta seca. Quente. Minha metralhadora ainda estava quente. Sim. Os últimos disparos foram feitos há pouco.

Quantos matei com ela hoje? Dezenas, possivelmente.

Adiante, por sobre o corpo de um de meus compatriotas, a bandeira de minha nação permanece como uma mortalha. Eu me aproximo do cadáver, pego a mesma e penso: “A estrela de Davi está ensangüentada...”

Carrego-a em minha mão esquerda. Venta, mas ela não tremula, pois suas extremidades estão cobertas de sangue. Sangue esse que por milênios caiu sobre esta terra sagrada. A mesma terra que outrora colhia o sangue dos profetas, a mesma terra que guarda os restos mortais de nossos patriarcas.

Tento descer uma pequena escarpa escorregadia, mas cambaleio. Retomando de volta minha compostura ou o mais perto que pude chegar disso, prossigo com a bandeira em riste por entre centenas de corpos enrijecidos e alvejados... Corpos de amigos e inimigos... Todos ali jogados sem fôlego de vida. A atmosfera da morte oprime ainda mais meu coração...

Mas ainda existo. Um dentre centenas.

Vivo. Moribundo, é certo.

E choro, por todos aqui caídos...