Mula sem cabeça

MULA SEM CABEÇA

Juliana Duarte

 

— Padre, perdoe-me porque pequei.

— Qual seu pecado, minha filha?

Nunca fui uma católica praticante. Fiz as eucaristias quando criança, frequentava as missas por imposição de mamãe. Hoje, em frente desse padre, sinto-me uma mula sem cabeça.

Moro numa cidade pequena, nada nunca acontece por aqui.

Tenho o hábito de fazer caminhada todos os dias. E, de alguns meses pra cá, comecei a observar um homem alto, que corria no mesmo horário que eu. Sempre de calção preto e regata branca, enquanto eu caminhava, ele corria. “Um morador novo”, pensei.

Um homem, aparentava ter entre 30 e 35 anos, moreno, não muito musculoso, parecia que frequentava academia, os músculos meio definidos, os olhos não conseguia ver a cor, porque estava sempre de óculos escuros. Cabelos pretos, e barba bem aparada. E quando passava por mim, deixava um rasto de perfume.

Para minha surpresa, uma senhorinha que volta e meia estava por lá dando alguns “passeios”, fez o homem parar no meio de sua corrida e pegou sua mão, dizendo: “Sua benção, padre João.”

AAH! Não podia ser, o gato era um padre. Não sei de onde tirei que padres devem ser velhos e barrigudos. Agora eu me tornei uma beata, frequento a igreja duas, três vezes na semana, só para ouvir a voz do padre rezando a missa. E me confesso toda semana para ter a oportunidade de ficar a sós com ele.

Escutar esse homem me chamar de “filha” é muito estranho. Temos praticamente a mesma idade. Eu já nem sei mais que pecados conto para ele, porque são muitos. Então resolvi falar o que se passa no meu coração. Abrir a caixa das lamentações e expor minha sofrência. Minha vida está parecendo uma letra de música sertaneja, uma daquelas que valem 50 reais.

— Padre, pequei em pensamentos, tenho pensamentos impuros.

— Esses pensamentos seriam de que origem?

— Estou cobiçando um homem comprometido.

— Como você se chama?

— Sara.

— Sara, esse homem é casado?

— Não, mas seu compromisso é muito sério, ele nem sabe que existo. Bem, ele sabe, porém apenas me olha, não me vê. Sou apenas uma mulher que passa por ele todos os dias.

— Sara, não posso te dar conselhos amorosos, não me acho apto a fazer isso. O que posso dizer, é: tente fazer esse homem lhe ver. Faça-o saber de seu desejo de conhecê-lo melhor. Hoje, com as tecnologias existentes, você pode mandar um e-mail, um torpedo, uma mensagem de WhatsApp. Se o compromisso dele não é o matrimônio, não é um caso perdido. — Coitado, nem sob tortura irei dizer que minha cobiça está bem na minha frente me dando conselhos. Espero que a penitência seja bem pesada, que meus joelhos fiquem em carne viva de tanto rezar. E que meus pensamentos impuros me abandonem. A quem quero enganar? Não tenho a menor intenção de abandonar meus pensamentos. Sou uma pecadora, quando morrer vou direto para o inferno, sem fazer curva.

— Padre João, qual seu e-mail? — Penso que uma Ave Marias e umas Salve Rainhas irão me fazer bem.

Saí da igreja toda torta, com dor de cabeça de tanto rezar. E não resolveu em nada. Não tirei o capeta da mente, o padre gostoso. O responsável pela minha perdição. Já traçando um plano, vou mandar um e-mail para um padre gostoso.

 

Três meses se passaram e eu continuo frequentando a missa, me confessando e nada, nem um sinal de que leu meu e-mail, tenho a impressão de que ele me passou o endereço errado e a bendita mensagem não chegou.

 

 

Juliana Duarte Honorato
Enviado por Juliana Duarte Honorato em 17/05/2024
Reeditado em 04/09/2024
Código do texto: T8065310
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