Dostoiévski
Eu estava nas ruas, numa sexta-feira à noite. Transeuntes vêm e vão, nada fora do normal. Sentei-me na cadeira, dentro da biblioteca que habitava poucas pessoas notáveis. Carregava consigo um livro: Crime e Castigo, de Dostoiévski. Eu não me cansava de ler e reler essa obra-prima. Era o máximo de perfeição possível. Meu rosto estava destruído, profundo, cheio de olheiras. Mas do que tanto importava? O essencial não está na aparência, está na alma.
Não demorei um único segundo; aquele cabelo cacheado me encantou, aquele maldito cabelo cacheado. Sua pele, sua áurea cândida transbordando para fora. Estava consumindo-me, consumindo-me como um parasita que não larga seu hospedeiro de forma alguma. Seus olhos, seu malditos olhos desgraçados me fitavam como se invadisse à alma, preenchendo esse espírito opulento.
Sequer era parte dos planos me apaixonar, porém, aconteceu. O que mais eu podia fazer além de apreciá-la? Pensava. O destino é mesmo uma causa e efeito irremediável. Ela veio à minha direção, sorrindo. Sentou-se, como não queria nada, com seus andrajos simplórios e seu cachecol tórrido.
Naquela noite estrelada falamos por cá e acolá. Não é todo dia que se vemos alguém amando Dostoiévski, é raro, é raro. Tomamos um longo café. Bendito café! Acho que fora o melhor que havia tomado em vida. Que garota maravilhosa! Como um ser dessa magnitude existe? A conexão era de outro mundo. Redarguimos algumas palavras desconexas, e fomos interrompidos.
Uma voz ecoando seu nome: "Sinclair!". Era seu namorado. É, às vezes, nem sempre o destino colabora. De repente, almas gêmeas não são destinadas a ficarem juntas, apenas a se conhecerem em meros acasos...
Como diria Raskolnikov: "O sofrimento e a dor são sempre obrigatórios para uma consciência ampla e para um coração profundo". Realmente não era para ser eu e você...