Relacionamento.com - Capítulo dois
Nota do autor: É recomendada a leitura das partes anteriores para a compreensão do texto a seguir.
— Naty, olha esta aqui!
— Ai, Amanda... outra mensagem? Estamos no trabalho, lembra? – Nathália franziu a testa.
— Sim e em horário de almoço! Agora trate de ler! – Amanda fez a amiga segurar seu smartphone.
— Já sei o que diz... “Oi, gostosa, tudo bem?” – Nathália zombou.
Amanda fez cara feia e meneou a cabeça apontando para o telefone. Nathália revirou os olhos e principiou a leitura.
— Bom dia, Amand...
— Ei, Não precisa ler tão alto! – Amanda interrompeu olhando para os lados.
— Bom dia, Amanda! – Nathália prosseguiu em um tom mais baixo. – Seu perfil me encantou. Gosto de pessoas sinceras e com hábitos simples e, assim como você, meu objetivo é constituir uma família. PS: Também sou apaixonado por gatos! Tenho dois e futuramente pretendo ter pelo menos mais um.
— O que achou? – Amanda tentou em vão encobrir seu tom eufórico.
— Bullshit! – Nathália torceu o nariz.
— Em português, Naty!
— Com certeza ele disse isso para a Joana, a Fernanda, a Renata, a...
— Aff... por isso nunca arruma ninguém, sua laranja azeda! Nem todo homem é como o Cris, sabia?
— Nunca disse que todos são! Sempre soube que meu pai é exceção a essa regra. – Nathália piscou um olho.
O “Cris”, citado por Amanda, era um ex-namorado da amiga que ficou noivo de Nathália e de outra jovem ao mesmo tempo. Porém aconteceu que, numa tarde quente de verão, Amanda tinha ido à praia sozinha. Estava em seus últimos dias de férias e havia prometido a si mesma que retornaria ao trabalho com “uma corzinha”. Sua amiga trabalhava normalmente naquela quarta-feira ensolarada. Amanda, porém, tomava água de coco sentada em uma toalha enorme que havia estendido sobre a areia. Por volta das duas horas da tarde, viu quando Cris passou de mãos dadas com uma garota que não era Nathália. Ele estava tão tranquilo e tão envolvido que simplesmente não a viu, não obstante haver passado tão próximo que quase pisoteou uma das pontas da toalha. Ardendo em ira com a cena que assistia, Amanda pegou o celular e passou a filmar o casalzinho feliz e aparentemente apaixonado. O vídeo, contudo, permaneceria em seu telefone por uns dez dias antes que tivesse coragem de mostrá-lo a amiga.
Na ocasião, Amanda sabia que tinha de fazer isso, porém faltava-lhe a coragem necessária. Estava certa de que sua amiga ficaria arrasada. Mas, por outro lado, não poderia deixá-la enganada por mais tempo. Então, escolheu um dia para dormir na casa da amiga e mostrou o vídeo. Embora soubesse que seria difícil, aquilo foi ainda mais arrasador do que poderia imaginar. Foi uma barra.
Nathália chorou mais em dois meses do que havia chorado a vida inteira. Chorava na rua, em casa, no trabalho e em qualquer lugar e hora. Bastava que a lembrança dos momentos que viveram juntos e as juras de amor eterno lhe viessem à mente. Ela sequer quis vê-lo ou falar com ele depois que assistiu o vídeo. Foram dois meses chorando e comendo. Comendo muito, sobretudo doces e isso, obviamente, fez com que ganhasse uns dez quilos a mais, e também algumas olheiras. Em relação ao peso, Amanda achou que a amiga até melhorou, já que era exageradamente magra por conta de uma obsessão de características quase anoréxicas.
Porém, Nathália um dia levantou-se pela manhã, olhou no espelho e disse a si mesma que não choraria mais. A bem da verdade, jurou que nunca mais choraria por homem algum e a partir de então nunca mais teve um relacionamento sério com ninguém. Passou a viver apenas de encontros casuais, inclusive com homens sabidamente casados. Sua melhor amiga repudiava esse comportamento e, vez por outra, a confrontava com palavras que embora ela detestasse ouvir, não podia refutar com qualquer que fosse o argumento que lhe viesse à mente.
Uma vez “recuperada”, Nathália esperou a ocasião oportuna e certa noite entrou em um barzinho onde seu ex estava. A jovem da filmagem que Amanda fizera estava com ele. Sem que eles percebessem, ela se aproximou e parou de frente para o casal. Quando a viu, ele arregalou os olhos e ameaçou dizer algo, mas Nathália apenas jogou a aliança e algumas fotos sobre a mesa. Eram fotos deles dois juntos na festa de aniversário da irmã dele.
— Isso é alguma brincadeira? – disse a moça que o acompanhava.
— Pareço estar brincando? Pela sua cara, vejo que também está sendo enganada. Pois saiba que eu e esse traste éramos noivos até este dia… – Nathália virou seu smartphone na direção da moça e mostrou o vídeo da praia.
— Isso é verdade? – a jovem o fuzilou com os olhos. Ele ameaçou falar alguma coisa, mas por fim emudeceu.
— Seu… seu… cretino! – a jovem levantou e jogou sobre ele a bebida cor de rosa que estava tomando. Nathália pegou a taça de bebida dele que estava sobre a mesa e fez o mesmo.
Amanda, que a pedido da amiga também estava presente, filmou tudo desde que elas chegaram. O vídeo viralizou nas redes sociais.
***
Mais tarde, após chegar a sua casa e tomar uma boa ducha, Amanda pôs um roupão e sentou no sofá da sala. O canal de tevê que exibe sua série favorita fazia uma maratona desta desde cedo. Como, porém, já havia assistido o episódio que estava em exibição mais vezes do que poderia lembrar, decidiu ler o perfil do “candidato” cuja mensagem tinha despertado seu interesse mais cedo. Na verdade, recebia inúmeras dessas mensagens todos os dias, mas geralmente não respondia sequer a um terço delas. Procurava ler todas, porém não tinha paciência para a maioria.
No geral o que encontrava na caixa de mensagens do aplicativo eram cantadas baratas, elogios visivelmente exagerados, números de telefone, perfis com fotos indecentes e textos repletos de erros crassos ou cheios de expressões grosseiras. As poucas vezes em que pensou ter encontrado alguém legal, descobriu depois que a pessoa não era tão legal assim. Como o carinha super educado, romântico, bonito e atencioso com quem principiou um namoro dez meses atrás. Ela chegou mesmo a mudar seu status nas redes sociais por causa dele. Suas amigas a parabenizaram, e seus pais ficaram muito felizes em vê-la tão radiante. No entanto, sua alegria durou apenas até o dia em que recebeu o telefonema de uma mulher que identificou-se como esposa dele. Inicialmente não quis acreditar, mas não teve como contestar as fotos e os prints de conversas que a mulher tinha diariamente com o marido. E por fim, após interrogá-lo, obteve a confissão acompanhada de um pedido cínico de desculpas.
Seu mundo desabou naquela ocasião. Um dia era a namorada de um homem maravilhoso, e no outro a amante de um cretino, casado há onze anos, cuja esposa estava grávida de sete meses daquele que seria o terceiro filho do casal.
— Bem que eu desconfiava! Homens cavalheiros e certinhos assim não existem! – disse uma de suas amigas quando soube da história. Muitas outras abraçaram o discurso.
Agora porém, seis meses depois e dizendo-se completamente “curada”, ela estava ali diante de uma mensagem que chamou sua atenção, e de um perfil que corresponde ao que procura em alguém do sexo oposto. Decidiu responder e dar a ele a chance de mostrar que os homens não são todos iguais, assim como as mulheres também não são.
Boa noite, Willian! Li sua mensagem e também seu perfil e acho que se foi verdadeiro em suas palavras, talvez possamos ser ao menos amigos. – escreveu.
Em poucos instantes veio a resposta.
Boa noite, Amanda! Fico feliz que tenha lido o que escrevi e posso garantir que minhas palavras são todas tão verdadeiras quanto Barão e Fiona, meus gatos que estão deitados um no meu colo e outro no sofá agora… Rsrs.
Fiona?! Nossa, era o nome que eu daria a Pantufa, minha gatinha. Mas minha amiga olhou para ela e disse que parecia uma pantufa e o nome ficou. Rsrs.
Bem, podemos dizer que já temos mais uma coisa em comum, né? – disse ele.
Sim, ambos assistimos certa animação cujos protagonistas são ogros! – Ela brincou.
Parece que sim! Rsrs.
Willian, posso fazer uma pergunta pessoal? – ela mudou a direção da conversa.
Claro! Quantas quiser!
Li em seu perfil que esteve em um relacionamento por mais de dez anos. Foi casado?
Sim, Amanda. Fui casado por quase onze anos e tenho uma linda filhinha a quem amo muito, fruto desse casamento.
E consideraria inapropriado eu perguntar o que deu errado? – ela arriscou.
Imagina! Não tenho nada a esconder. Mas em primeiro lugar gostaria de dizer que sou daquelas pessoas que acreditam que casamento é para sempre, okay? Meus amigos dizem que estou vivendo em outro tempo por ainda pensar assim. Mas vamos à sua resposta: Minha ex sempre foi uma pessoa muito instável e agressiva. (Ps: Vou enviar as mensagens aos poucos para não ficar um textão, okay?)
Logo no início do relacionamento percebi que ela não era normal. Mas sabe como é, né? Quando queremos algo, acabamos ignorando os sinais que nos são dados. Sobretudo quando se trata de alguém de quem gostamos. Costumo dizer que todos deixam pistas pelo caminho. Basta que as observemos com alguma atenção.
São placas que encontramos no início da caminhada e que nos indicam o rumo certo a seguir, mas que infelizmente fazemos questão de ignorar quando já estamos muito envolvidos com nossas emoções e quase nada (ou nada) com a razão. As placas sempre estarão lá, é certo! Às vezes elas nos dizem “siga”, outras vezes “atenção”, e muitas vezes dizem “pare”. E finalmente há aquelas que já dizem “retorno”. Porém o que ocorre é que quase sempre, a despeito das inúmeras advertências, já nos deixamos envolver de tal forma que dificilmente damos ouvido a qualquer placa que não diga o “siga” que desejamos ver.
Caso todos atentassem para os sinais, para as tais “placas”, muito sofrimento seria evitado. O que no máximo aconteceria era algo que grosseiramente costumo comparar à perda de um animal de estimação que acabamos de ganhar, com aquele que criamos desde filhote e que viveu conosco por uma década ou mais e então morreu.
Ainda está aí? Rsrs. – ele perguntou.
Sim, lendo cada palavra e sentindo vergonha por ser alguém que talvez tenha passado a vida inteira “ignorando as placas”... Rsrs. – ela digitou.
Bem, minha ex se tornou uma mulher tão louca, agressiva e paranóica, que certa vez me agrediu porque alguém disse a ela que tinha me visto sair com uma mulher de nossa casa. Isso realmente tinha acontecido, todavia tratava-se apenas de minha irmã. Mas só tive a oportunidade de dar essa explicação depois de ser recebido em casa, após um dia exaustivo de trabalho, com um cabo de vassoura partindo-se em minhas costas.
Nossa! – Amanda exclamou.
Mas as coisas ficariam muito piores. Só estou vivo ainda por um milagre, pois uma vez ela cismou que eu tinha uma amante. Nunca dei motivo para tal desconfiança e jamais pus um único pé “fora da cerca” durante os dez, quase onze anos em que estivemos casados. Mas ainda assim, certa noite entrei em casa após chegar do trabalho e estranhei o silêncio e escuridão anormais. Acho que por isso, quando fui atacado, estava relativamente atento. Ela tinha a intenção de me esfaquear naquela ocasião. Mas consegui tirar a faca de sua mão depois de me proteger instintivamente com o braço. Infelizmente hoje tenho uma cicatriz que me fará lembrar daquele momento para sempre.
Depois disso, só me restou sair de casa. E ainda assim, mesmo já não mais vivendo com ela, eu andava pela rua assustado. Achava que a qualquer momento poderia ser vítima de alguma loucura daquela mente doentia.
Mas… e aí? – Amanda quis saber.
Bem, algum tempo depois, num momento de lucidez, ela reconheceu que precisava de ajuda e internou-se numa clínica para tratar-se. Mas não sem antes ir parar na delegacia por agredir o cara que arrumou alguns meses depois que saí de casa. Eu soube que o pobre coitado quer ver o diabo mas não quer vê-la nunca mais na vida.
Meu Deus, que loucura!! Mas e sua filhinha? Teve mesmo coragem de deixá-la aos cuidados de uma pessoa tão desequilibrada? – Amanda questionou.
Bem, pode parecer estranho, mas é uma preocupação que não tenho. Jamais tive. Ela ama tanto nossa filha que não seria capaz de tocar num fio de cabelo dela. Nunca sequer lhe deu uma única palmada e a trata muitíssimo bem desde o dia em que nasceu. Confesso que eu até sentia uma ponta de ciúmes do amor que ela sempre devotou a Alicia. Quanto a mim, dizia frequentemente que me amava, mas era desse modo bizarro, estranho e doentio. Bem, espero ter respondido sua pergunta, moça! Rs.
Puxa, não imaginei que leria algo assim. – disse ela – Mas fico grata que tenha me contado essas coisas. Acho que de certa forma isso nos torna mais próximos, não é? Afinal, agora sei boa parte de sua história... Aliás, gostaria de saber o que as “placas” têm dito a meu respeito. Rs.
Amanda, desde que vi seu perfil pela primeira vez e tão logo começamos esta conversa, elas têm dito algo que um dia gostaria de poder dizer pessoalmente a você! Rs.
Ah, isso não está certo! Por que não pode dizer agora? – ela protestou.
Saberá no tempo certo! Rsrs... Mas agora fale um pouco de você. Qual a sua história?
Ah... – ela suspirou – Minha vida foi chata. Nunca quebraram cabos de vassouras nas minhas costas e tampouco tentaram me esfaquear depois de chegar cansada do trabalho. Rsrs. A pior coisa que me aconteceu foi ter sido enganada por um cretino casado que conheci aqui no aplicativo... – ela fez parecer que aquilo não a deixou em pedaços na época.
Amanda contou a Willian a história e em seguida o aplicativo começou a travar. As mensagens já não fluíam como no início. Demoravam uma eternidade para chegar tanto de um lado quanto do outro. Provavelmente era algum tipo de “horário de pico” dos usuários. Ninguém jamais soube o motivo exato disso acontecer todos os dias. Eles então decidiram trocar contatos e conversaram no telefone até alta madrugada. A conversa parecia não ter fim. Falaram sobre um sem número de assuntos. O relógio já marcava quatro e meia quando se despediram, já sentindo saudades um do outro.
— Boa noite, Amanda! Conhecer você talvez tenha sido a melhor coisa que já me aconteceu.
— Não é mais noite, Will... Daqui a pouco vai clarear. E essas palavras você as roubou de mim. – ela riu.
— Então tá... – ele também sorriu. — durma com os anjos, moça cujo nome significa “digna de ser amada”!
— Você também, moço com o mesmo nome do criador de Romeu e Julieta!
E eles finalmente foram dormir.
(Fim do capítulo dois)