A Garota do Morro
Como todo dia de minha vida, subia o morro para ir trabalhar. Fazia parte do trajeto casa-trabalho. Viajava em meus pensamentos a cada passo que eu dava, mal dava para ver a rua, o céu, as árvores, só se ouvia o ruído das palavras que sobrevoavam as profundezas particulares de minha cabecinha. Pensava como solucionar um problema no trabalho que tinha pela frente. Ai ai ai, aquele cliente... Sempre pedindo o que era impossível de ser realizado. Teria eu que me virar nos 30. Focar o dobro para resolver essa enrascada. Só iria conseguir resolver alguma coisa, se nenhuma garota bonita parecer na minha frente, como aquele naquele momento, que surgia da esquina do outro lado da rua. Assim homem nenhum consegue se concentrar. Ela tinha cabelos castanhos, olhos levemente puxados, jaqueta de couro preta pra não ter risco de passar frio, calça jeans colada e bota marrom sem traço de sujeira. Tentei ao máximo segurar o olhar, precisava é pensar em trabalhar, ganhar meu dinheirinho suado do dia, não em promiscuidade, não em possível casos amorosos que eu sempre imagino e nunca tenho a atitude suficiente para tentar. Ia ser somente mais perda de tempo, mais algo para eu passar o dia pensando, desejando, imaginando, um sonho que eu sei que não conseguiria ter agora, um sonho que eu sabia que não estava preparado, havia ainda muito caminho pela frente, coisas a conquistar, para ai, então, no futuro, poder desfrutar, eu ser um galã, dinheirudo e com a sabedoria de Salomão. Um homem completo. Pena que um outro lado de mim, um lado que contrariava cada palavra minha, vinha surgindo aos poucos, a garota mexeu o cabelo, ela mexeu o cabelo, acredita? Ela mexeu o cabelo. Mexer o cabelo é um sinal de que garotas estão interessadas em você. E se for só porque ela queria arrumar o cabelo? E se for porque a testa dela tava coçando? E se... ela realmente me viu e me acho bonito? Meu pescoço nem se movia em direção a ela, mas meus olhos sim, desde sempre eu aprendi a ser sorrateiro, não demonstrar as minhas intensões, isso aprimorou minha visão espacial. É uma das qualidades que eu mais tenho orgulho. Enquanto passava pela garota mantia o meu disfarce quase que invisível. Porém, acho que eu devo ter vacilado um segundo e movimentado a cabeça um pouco. Ou ela olhou para os meus olhos, olhou para onde eles olhavam. Vi um leve sorriso crescer em seu rosto no momento que estava praticamente passando do meu lado. Um leve sorriso nesse exato momento? Uma coincidência? Acho que não. Meu coração deu uma leve acelerada. Cheguei a parar na rua. O sorriso dele era tão lindo. Ela parecia ser tão fofa. Pela primeira vez em muito tempo eu senti uma vontade aterradora de virar, virar e perguntar o nome dela. Ela era linda, linda, linda. E deve ser legal também. Alguém legal e linda. Os dois L supremos. Não, Jeff, não. Você não está pronto. O momento não é o agora. Nada estava favorável. Estava frio, quase chovendo, a gente no meio da rua, ela devia estar indo pra casa, podia ter namorado, e se eu mexo com uma garota que tem namorado e mora perto da minha casa? E se o namorado é um traficante? Eu tomo no meu zóio. O continuava andando. Continuando. E eu sentia ela caminhando para a direção inverso, conseguia realmente sentir ela, sabia o ritmo da caminhada, era previsível o lugar onde ela estaria, o quão distante estaria de mim. Oh, mais uma que eu não tentei. Mais uma que eu deixei passar. Por que Deus me fez impotente dessa forma? Talvez no futuro eu melhore. Talvez o futuro não exista. Talvez eu morra amanhã. Eu pensei em agir. Pensei. Minha mão estava tremendo. Meu corpo inteiro tremia. Eu vou, eu vou. Eu vou. E fui! Virei e toquei no ombro dela. Ela deu um leve susto. Senti o constrangimento de ter assustado ela dentro da minha alma. Disse oh, Desculpa. Não te assustei por querer. Ela disse que tudo bem, perguntou se eu queria algo. Eu pensei EU QUERO VOCÊ, É VOCÊ QUE EU QUERO. Mas na verdade eu disse: ah, não, quer dizer, sim, não sei. Ela sorriu. QUE SORRISO LINDO. Disse: Se você está querendo me cantar, acho que tem que melhorar um pouco. Sim, o preparo, eu sei. Mas é difícil, é como procurar um estágio, você nunca trabalhou na vida e querem experiência de você. Como irá arrumar um estágio se precisa de experiência? Como arrumar uma pretendente se você precisa de experiência? Eu tava nervoso, e a mente inquieta. Lembrei de algo como "seja espontâneo". A frase mais genérica do mundo. De qualquer forma, foi o que veio. Simplesmente falei a primeira coisa que veio em mente. "Você passou e eu fiquei perdido no seu sorriso". Ela me observou quieta e curiosa, doía não saber o que ela pensava, doía. Eu parecia um idiota? Um mocó? Mas então ela abriu a boca e veio o meu alivio "Agora você melhorou. Teu sorriso também não é nada mal. Mesmo que um pouco encabulado. Acho que o meu também tá". Queria saber o que falar logo em seguida. Queria uma resposta. Queria. Algo original, algo natural, algo muito bom, algo sexy mas não muito ousado, algo para impressionar, mas que eu não parecesse querer me achar, podia ser poético também, não, não, não, queria parecer careta, poesia é coisa de gente careta, tinha que ser descolado, genuíno e amigável. "Olha... " - disse ela - "eu tenho que ir pra casa agora, daqui alguns minutinhos eu tenho aula online. Mas se você quiser anotar meu número para a gente se falar outra hora. Você parece ser alguém legal. Tímido, mas legal." Anjos desceram do céu, ohhhhhhh. Ela tirou da bolsa um caderninho e uma caneta, anotou o numero e rasgou o pedaço pra mim. "Meu nome é Angela, está anotado aí, ai no papelzinho. E o seu?". Ah sim, sim, sim. O meu nome. Até tinha esquecido quem eu era. Jeff, Jeff, esse sou eu. Jeff o amigão da vizinhança. Ainda bem que eu não falei isso né, ainda bem que eu falei só meu nome pra ela. A gente se despediu e eu fui pro trabalho pulando de alegria. Todo sorridentizinho. Parei em frente a porta do estabelecimento e pensei comigo mesmo "Era bom eu já anotar o número de telefone pra não ter chance de eu perder ele". Então eu puxei um ziper que tinha na minha testa, abri a minha cabeça até o outro lado, destampei o crânio, dentro do meu cérebro havia uma sessão inteira de arquivos, comecei a vasculhar eles, achar o certo, o problema que como meu cérebro fica em cima da minha cabeça - mr óbvio - fica bem difícil de achar o arquivo certo. Puxei um errado. Puxei o arquivo de uma garota que estava lendo no ônibus. Garotas leitoras são lindas. Como eu amo a inteligência, ai, ai. Mas não era esse arquivo que eu queria. Era o próximo, o da data de hoje. Puxei o arquivo "Projeto Ângela". Esse mesmo. Li e comecei a ler as informações sobre a garota. Achei que estava um pouco mal escrito então dei uma leve revisada antes de eu anotar o número de telefone dela. A folhinha com o número estava logo atrás da folha das informações. Ângela tinha uma bela letra. Um pouco parecida com a minha, mas ainda bela. Mas só aquela folha branca com um número e o nome parece simples de mais. Por que então eu não acrescento uma marca de batom vermelho do lado do número? Acho que é algo muito ultrapassado. O simples as vezes cumpre um papel melhor que o emperiquitado. Coloquei o número na lista de contatos e abri a porta do trabalho. Estava para ir trabalhar mas não conseguia parar de pensar em Ângela. Oh, minha bela Ângela. Que sorriso mais meigo que você tem. Não, não, não. Que sorriso mais maravilhoso! Não, não, não. Muito exagerado. Oh, Ângela! Um dia ainda poderei ti ter nos meus braços!