O longo tempo que passamos juntos
Ela disse que não precisava mais de mim. Conversávamos sobre coisas triviais: música e como ela melhorava a vida de alguém. Ela, sorrindo, perguntou o que afinal. Estava com um sorriso meio tímido e parecia cada vez mais frio, mas a voz era suave e ensolarada como antes da luz começar a enfraquecer dando lugar a noite. Eu parei para pensar. Seria bom dizer aquilo? Mas disse e não me arrependo, não há em mim ilusão de que aquilo foi de alguma forma o que faltava para alguém dizer coisas que ela disse usando apenas uma frase. Percebo agora, que afinal, não era só frieza que se escondia nos espaços entre as palavras dela. “Como o nosso relacionamento.” Foi isso o que eu disse.
Depois de falar eu esperei um longo tempo. O que veio está no começo desse texto. Eu ri. Ri mesmo e quase ignorei. “O quê?” Brincadeiras não são mais do que coisas para temperar o tempo que passamos com outra pessoa. Mas não pense que precisávamos muito disso. Pelo contrário, tudo o que fazíamos juntos se completava com nossas personalidades de modo que não éramos mais infelizes do que quando separados pelos anos que passamos sem nos conhecer. Uma vez fomos convidados a ir a um clube por um amigo que tinha seu pé garantido na terra dos ricos. Não tínhamos noção do quanto poderia ser caro frequentar aquele lugar. Foi o que me lembrou o que ela disse muitos dias depois dela partir.
Acho que não faltava muito para que o que quer que eu pensasse sobre “aquilo” era, finalmente terminar. Suponha que você vê alguém treinando tênis numa quadra e vê seus movimentos graciosos e afiados, o vigor e a potência de cada raquetada. O prazer que se esconde no rosto e a concentração que a possui. Você vai supor que essa pessoa será tão longeva quanto a rocha mais resistente que possa surgir graças ao carbono e os outros elementos. Uma vez eu vi isso e vi outra vez e foi isso que me deu a ideia de escrever isso. O que vi? Vi um homem num clube a jogar uma partida muito amistosa com uma mulher esbelta, mas vigorosa e arguta. Tinha maças do rosto protuberantes e perfeitas como duas frutas de cor forte e maduras. O homem eu também não conhecia e não chamava a atenção nenhuma em especial de modo que eu apenas notei foi seu hábito de cuspir a cada tossida. Ele não tinha tossido muito e a cada momento deixava mais e mais a bola escapar. Até que parou um momento a tossir como um cão engasgado com osso ou espinha de algum peixe que conseguira roubar. O homem caiu. E se contorcera como se estivesse sendo eletrocutado enquanto tossia trovões cada vez mais rendidos ao silêncio. A mulher foi a seu encontro e tentou fazê-lo falar, mas tudo o que vinha era baba misturada com sangue de sua boca sem controle.
Dessa maneira, eu não pensava que um relacionamento a um ponto que se igualaria a um homem caído ao chão. Um homem caído... Não qualquer um aliás, mas aquele homem que tinha caminhado para a quadra com rosto reto, sem apresentar nenhum sinal de debilidade. “Ele ganha.” Eu disse sem saber nada sobre o esporte que eles jogariam. Ela sorriu e voltou a olhar para a pista de jogo. Deve ser aí que ela notou que não precisava mais de mim. Será?