O primeiro sonho

- Venha. Dê-me sua mão. Venha – ela disse, exalando beleza e beatitude, com seu vestido longo de flores multicores.

- Mas, justo eu, que não sou merecedor de ingressar na fila da comunhão? Justo eu, que não sou digno de receber a Santa Ceia? – pensei com surpresa, assentado encolhido no banco do templo, olhando para os lados, achando que houvera um equívoco e tentando encontrar o outro que pudesse merecer tal convite.

- Venha, meu amado – ela insistiu com doce afeto, estendendo o braço em minha direção, como se sua mão solícita quisesse salvar um náufrago do mar encrespado da culpa.

- Eu? Tem certeza?

- Sim. Você. Venha. Lembre-se do convite que está nas escrituras sagradas, lá no livro do profeta Isaías: “Ouvi-me atentamente, comei o que é bom e vos deleitareis com finos manjares. Inclinai os ouvidos e vinde a mim; ouvi, e a vossa alma viverá.”

O salão do templo era uma antessala do paraíso. Lá na frente, atrás do sacerdote que oferecia o pão e o vinho aos bem-aventurados comensais, era possível avistar o portão dourado adornado com arabescos, que daria acesso à Jerusalém Celestial. A comunhão era como um aperitivo antes do banquete eterno que aguardava todos nós. Sim, nós, pois eu levantei-me e aceitei sua mão, meio sem jeito, com receio de alguém acusar-me de estar furando a fila.

- Não tenha receio, meu amado. É motivo de alegria para todos os que estão nesta fila que outros dela façam parte. Cada um que já está aqui tem prazer e alegria em abrir espaço para quem quiser vir. Venha e tome seu lugar aqui ao meu lado.

Uma bruma diáfana filtrava a luz esplendorosa que vinha da Cidade Santa. Ela puxou minha cabeça para junto do seu peito, envolveu-me com seus braços acolhedores, enquanto caminhávamos, como que bailando, na doce ânsia de receber o pão e o vinho que representavam o amor. Aliás, amor era o que eu sentia por ela, nascido ali, mas ao mesmo tempo vindo de outras eras. Um amor como nunca sentira antes. Um amor transbordante. Um amor que, tão logo entrassemos pelo portão celestial, nós sabíamos, seria eterno.

Túllio Carvalho
Enviado por Túllio Carvalho em 03/05/2021
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