Ela e Eu

Cheguei em um barzinho naquela noite. Tinha acabado de terminar um relacionamento. Estava me sentindo um pouco perdido.

Um casal de amigos me chamou e fui até a mesa deles.

Eles estavam com uma amiga e me chamaram para ficar com eles.

Puxei uma cadeira e sentei. Ficamos conversando e percebi que a amiga deles era uma mulher interessante, inteligente, falava com maturidade e sabedoria.

Falei com ela sobre a fase que estava passando. Conversamos muito e no fim da noite estava me sentindo melhor.

Encontrei com ela outras vezes. Ela se mostrava muito pessimista e cética quanto a relacionamentos amorosos. Dizia que não seria capaz de confiar em nenhum homem e por isto preferia ficar sozinha.

O tempo foi passando e eu fui me interessando por ela.

Sou uma pessoa um pouco fria e desligada. Nunca consegui dar muita atenção às garotas que namorei. Eu sou um empresário e pensava muito mais no meu trabalho e no futebol, que gosto de jogar, do que nas namoradas e elas acabavam me abandonando.

Mas com ela estava sendo diferente. Eu ligava, procurava, insistia e ela sempre indiferente. Talvez isto tenha mexido com meus brios. O fato é que estava me sentindo apaixonado por aquela mulher.

Ela era muito bem sucedida profissionalmente. Trabalhava em um laboratório farmacêutico. Era uma doutora e ocupava um cargo importante. Era muito culta, muito estudiosa, muito sábia. Mas era totalmente insegura emocionalmente. Tentava fugir de mim de todas as formas. Mas eu não estava disposto a desistir. Chegava a ser quase uma questão de honra conquistar a confiança daquela linda mulher.

Aos poucos eu fui derrubando a barreira que ela colocava entre nós. Sentia que ela estava capitulando. Mostrava-se menos arredia embora continuasse tentando demonstrar indiferença.

Em um dos nossos encontros eu a beijei de surpresa e ela ficou descontrolada. Não entendi aquela reação. Nervosa ela me disse:

-Você não tinha o direito de fazer isto. Não lhe dei esta liberdade.

-Não entendo a sua reação. Foi apenas um beijo. Porque esta reação tão descabida? Estamos nos encontrando há meses. Eu quero um relacionamento sério com você. E sinto que você também não é indiferente a mim.

-Desde o principio eu lhe disse que só posso ser sua amiga.

-Não é o que você demonstra.

-Você não vai querer saber o que sinto, vai?

-Eu percebo que você sente muito mais que amizade por mim.

-Eu não posso e não quero me envolver com você.

-Por quê?

-Eu não confio em nenhum homem.

-Por quê? O que aconteceu pra que você ficar assim tão insegura?

-Não quero falar sobre isto.

-Eu contei pra você toda a minha vida. E você não confia em mim nem pra contar o que lhe aconteceu?

-Eu tive uma grande decepção.

-Conta pra mim. Pra que eu entenda a sua postura.

-Não gosto de falar sobre isto.

-Eu só aceito esta sua atitude se você me der uma boa justificativa.

-É muito difícil pra mim falar sobre isto.

-Eu estou aqui pra lhe dar meu ombro, pra lhe ouvir com atenção, pra lhe dar meu abraço se você precisar. Por favor, eu preciso saber.

-Eu vou contar o que me aconteceu. Você vai perceber que tenho razão.

-Estou pronto pra lhe ouvir.

-Está bem. Eu vou te contar porque eu sou tão insegura e tão resistente a um relacionamento. Logo que entrei pra faculdade, lá na minha cidade, eu conheci um cara que estudava na minha turma. Ele era de outra cidade. A gente começou a namorar. Eu me apaixonei perdidamente por ele. Acho que na época eu daria a minha própria vida por ele. Eu estava cegamente apaixonada. Eu fazia tudo por ele, ele fez o curso às minhas custas. Fazia trabalhos pra ele, passava cola nas provas. Ele era um malandro, não gostava de estudar, não levava o curso a sério. Ele sempre almoçava e jantava na minha casa e eu não percebia que estava sendo explorada. Ele dizia que me amava e eu acreditava. Chegamos a fazer planos de casamento. Eu me sentia feliz e realizada. Confiava plenamente nele. Acho até que foi por isto que a decepção foi tão grande. (para de falar)

-Que decepção?

-No dia da nossa formatura ele estava estranho. Na colação de grau ele nem falou comigo e saiu ao final como se eu nem estivesse ali. Eu tentei me enganar achando que era a emoção. Ele não me buscou para a festa de formatura mas como a gente não tinha combinado nada eu fui com minha família. Chegando lá… (engasgou)

-É difícil falar, né? Respire fundo.

-Estas recordações são dolorosas pra mim. Não por ele ou por aquela paixão que eu já superei e resolvi completamente. Mas pela situação desrespeitosa, pela falta de consideração, pela falta de caráter e pelo vexame que ele me fez passar. (respira fundo) Chegando lá eu o vi em uma mesa com várias pessoas. Ele me ignorou. Achando que ele não tinha me visto, fui até lá e perguntei porque ele não tinha aparecido. Ele fez uma cara de surpresa dizendo que não entendeu a pergunta. Que só éramos colegas de curso sem nenhuma intimidade. E me apresentou a sua noiva. Nem sei como não desmaiei. Foi como se o mundo desabasse sobre minha cabeça. E acho que desabou mesmo. O Clube estava cheio. Todos os colegas, minha família, meus amigos e conhecidos. Eu não consegui conter as lágrimas e não me perdoo por isto. Eu sei que todos os meus colegas tiveram pena de mim, todos foram solidários e se voltaram contra ele. Mas nenhum deles me defendeu. Eles me deixaram passar pelo ridículo, pelo vexame de ser desprezada. Eles não falaram nada. Nenhum deles foi capaz de dizer que aquele canalha me enganou da formas mais perversa e cruel possível. Foi o dia mais triste de minha vida. Eu não consegui mais ficar lá. Em casa eu chorei, chorei até afogar minha dor.

Então eu não pude mais ficar ali naquela cidade onde todos me conheciam. Uns riam de mim outros sentiam pena. Então eu resolvi tentar aqui. Consegui emprego no Laboratório Farmacêutico que trabalho. Fiz mestrado, fiz doutorado, consegui várias promoções. Obtive sucesso profissional. Eu me recuperei da decepção mas não consigo confiar em mais ninguém. Por isto não quero me envolver com mais ninguém. Estou bem sozinha.

-Nem sei o que dizer. Há quanto tempo te aconteceu isto?

-Há dez anos.

-O que posso lhe dizer é que as pessoas não são iguais. Você teve a infelicidade de conhecer um cara completamente sem caráter, sem escrúpulos e sem moral. E lhe digo mais, você teve bem mais sorte que a noiva dele. Uma pessoa capaz de fazer uma coisa desta não vai ser capaz de respeitar ninguém.

-Sim. Acredito que você tem razão.

-Você não pode achar que todos são iguais a este canalha.

-Eu tenho medo de outra decepção, de sofrer novamente.

-Eu não vou aceitar esta desculpa. Se você disser que não gosta de mim, eu me afasto. Mas medo de se decepcionar, eu não vou aceitar.

-Por favor, afaste-se de mim. Eu tenho medo de gostar novamente e sofrer outra decepção

-Não, não me afasto. Eu quero você comigo.

Eu a beijei. Ela se afastou.

-Você não devia ter feito isto.

-Eu estou apaixonado por você. E eu não vou desistir tão facilmente.

-Não me confunda. Eu não quero me envolver.

-Você tem que superar. Você não pode se privar de ser feliz por causa de um canalha inescrupuloso. Ele não se incomoda com você. Vive a vida dele. Por que você vai deixar de viver?

-Não quero ouvir isto.

-Você vive dando lição de vida e não sabe viver. Tem medo de ser feliz. Vive se fazendo de vítima.

-Eu quero que você vá embora, não me procure mais.

-Você pode me mandar embora mas não pode fugir dos seus sentimentos.

-Você acha que eu estou apaixonada por você? Você se engana.

-Sim, você também me quer.

-Você está se achando muito.

Eu a calei com um beijo.

Apesar da resistência dela eu não desisti.

Aos poucos ela foi se entregando. Nosso relacionamento foi ficando mais forte, mais seguro e mais sério.

Hoje vivo com esta mulher que se tornou dona da minha vida e do meu coração. Vivemos sem cobranças mas com muito respeito, consideração, companheirismo e cumplicidade. Somos felizes e nos completamos.

Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 01/05/2021
Código do texto: T7245766
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