NO PARQUE INFANTIL

Todos os dias eu dava uma volta para arejar as ideias e desentorpecer as pernas.

Ao longo de um ano, virou rotina. Mas era uma rotina agradável. Sempre encontrava alguém com quem falar um pouquinho.

Um dia despertou-me a atenção um parque infantil, deserto aquela hora. Era tempo de escola e resolvi entrar. As recordações transportaram-me muitos anos atrás.

Sorri ao recordar aquela menina de olhar meio travesso e sorriso matreiro e com laçarotes nos totós. Havia quem me chamasse a pipi das meias altas.

Maquinalmente sento-me naquele baloiço que é uma tábua comprida, mas para que baloice é necessário que outra pessoa se sente na outra extremidade. E ficava ali dando cor e movimento ás minhas lembranças, como se assistisse a um filme antigo. A música(do filme ) encantava-me e nem dava pelo tempo passar.

Um dia estava eu perdida nos meus devaneios, sinto uma sensação semelhante àquela que sentimos quando levantamos voo de avião e vejo-me no ar. Na outra ponta do baloiço alguém se sentou. Era um “rapazinho” mais novo que eu, embora parecesse da mesma idade. Disse olá e eu apenas olhei para ele, corada como um tomate. Ao fim de meia dúzia de baloiçadelas, levantou-se e foi embora sem mais nada dizer. Contudo, teve o cuidado de segurar a tábua para que eu chegasse ao chão suavemente.

Nos dias seguintes o ritual repetiu-se, com ausências entremeadas. Eu ficava ansiando a sua chegada. Nos dias que não vinha, ficava triste. Sentia-me uma adolescente.

Hoje percebo que foi a sua técnica de sedução. Aparecia e desaparecia para se fazer desejado. E a verdade é que eu me deixei seduzir de livre vontade. Passou a ser uma constante. Encontravamo-nos no parque todos os dias, de manhã à tarde e à noite. Já não podíamos passar sem a companhia um do outro. Tornou-se uma dependência, como se estivesse "agarrada". Mas era uma dependência saudável. Nasceu entre nós um amor muito bonito. Tratava-me como se eu fosse uma princesa e apesar de não ser bonita, eu sentia-me bonita, porque ele me achava bonita. O amor é assim. Tem o poder de embelezar tudo. “Quem o feio ama, bonito lhe parece “. Veio-me à ideia o ditado popular, que eu já ouvia aos meus avós.

Durante um ano fui tão feliz! Amava um ser extraordinário. Algo excêntrico e controverso eu sei, mas era isso que tornava a nossa relação excitante e mágica. Na verdade também sou algo excêntrica. Abomino a pasmaceira, o tudo igual, o tudo certinho. Gosto de viver na crista da onda. Adoro aquele friozinho na barriga.

O que eu ainda não disse, foi que o parque tinha uma particularidade, o baloiço tinha uma particularidade. Havia uma placa de diamante separando os nossos dois lados. Essa placa passava exatamente no fulcro do baloiço. Isto quer dizer que nos podíamos ver mas não tocar. Era uma espécie de amor platônico. Muitas vezes ambos sentimos necessidade de nos tocarmos, de nos agarrarmos. A vontade de dar um beijo era tão grande! Isto para não falar na vontade de fazer amor.

Cheguei a sentir momentos de desespero, porque a excitação era muito grande. Por várias vezes agarrei numa pedra e arremessei-a contra a placa isoladora. Não fez qualquer mossa. Para cortar o diamante, só mesmo outro diamante. Mas onde diabo é que eu ia arranjar um diamante?

Ouvi falar que havia um veio em terras de Africa. A viagem era longa. Mesmo assim, meti os pés a caminho e fui. Como não gosto de andar de avião, escolhi uma das melhores companhias da Europa, a Turkish airlines.

A viagem foi agradabilíssima. Tinha á minha espera alguém que me levou á mina de diamantes. Escolhi um diamante lindo como o sol. Na viagem de regresso vinha entusiasmadíssima. Finalmente ia poder beijar e abraçar o homem dos meus sonhos.

Quando cheguei ao parque, munida do diamante, cortei a placa que me separava do homem que eu tanto amava e sentei-me no baloiço á sua espera. Absorta nos meus pensamentos, nem dei conta do tempo passar. Estremeci ao som das badaladas da meia noite do ano que findava.

Apareceu como se nada fosse, uma hora depois, de braço dado com outra dama. Durante mais de um ano, eu não percebi que estava vivendo uma ilusão. Ás vezes pressentia algo mas preferia convencer-me que eram erros de paralax!

Não valia a pena continuar ali. Os sinais eram por demais evidentes. O novo ano fez-me abrir os olhos. Fez-me olhar para mim e fez-me ver que não preciso viver de mentira. Tenho condições para viver de verdade. Afinal constato que até sou bonita, tenho alguma cultura, alguma sabedoria e alguns dons que me foram dados á nascença. Tenho neurónios e membros que me permitem desenvencilhar. Apenas preciso perder a ingenuidade, para não acreditar em todo o gato pingado.

Na verdade não quero viver assim. Neste novo ano quero viver verdades e realidades. A vida é minha e sou eu que decido o que quero para ela.

Quero alguém que caminhe ao meu lado, nem á frente nem atrás!

©Maria Dulce Leitão Reis

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26/02/18

Maria Dulce Leitão Reis
Enviado por Maria Dulce Leitão Reis em 27/02/2021
Código do texto: T7194728
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