Solitário Amor

E ele me contou sua história. Uma história triste? Dramática? Uma obsessão? Ou simples obra do destino?

A realidade de uma vida.

A gente estava sentado a beira de um lago. Mais adiante, uma pequenina cachoeira que jogando suas águas no lago entoava uma melodia suave.

Aquele ambiente, parece, trouxe a ele recordações. Seu olhar tinha um brilho triste. Ele começou falar quase sem querer. Falava devagar, pausadamente, como se estivesse vivendo novamente os fatos.

“Hoje eu recordo tudo nitidamente, parece que não faz sentido. Tanto tempo faz. Era a década de 70, numa cidade do interior de Minas Gerais, menor que esta. Ano de 1971. Naquela época as moças de família eram pudicas e se guardavam para o seu futuro marido Quando eu a conheci ela tinha quatorze anos, eu dezoito. Uma garota séria tinha que namorar pra casar. Ela me tocou profundamente, como nenhuma outra havia me tocado. O meu sentimento por ela era puro. Era diferente, como se fosse intocável, indelével. Era sincero e eterno. Já tinha conhecido outras garotas, mas nenhuma tinha sido levada a sério. Ela não, ela eu queria comigo por toda a vida. Eu sonhava com isto. Não tinha, no entanto, coragem de me aproximar dela. Ela, parece, não percebia o que se passava comigo e não me incentivava com nenhum sinal. Eu me sentia meio perdido e tímido perto dela. Ninguém sabia deste amor que eu sentia, guardava este sentimento só pra mim.

Naquela cidade de interior de Minas, naquela época, os homens respeitavam as garotas sérias e eu queria um compromisso sério com ela, mas éramos muito jovens.

Algumas vezes ela até me olhava e sorria, mas era tímida, adolescente imatura e não me encorajava a aproximar dela.

E então eu eu sai da cidade para estudar. Passei a vê-la pouco, mas agora sonhava muito. Eu estava na faculdade. Quando me formasse eu me casaria com ela. Eu, nas minhas fantasias, planejava tudo. Chegava a ver nossa casa, nós dois juntos. Não existia outra garota para mim. Algumas tentaram, mas desistiram. Acabavam achando que eu não era muito normal. Ela não saia um só momento do meu pensamento.

Mas, Deus, eu estava alimentando um amor que não estava sendo realizado. Eu estava alimentando um amor só dentro de mim.

Eu ficava feliz quando ela olhava e falava um “oi” com um sorriso largo, um sorriso específico que eu nunca vi em outros lábios. Um sorriso autêntico e o mais lindo que eu já vi.

As vezes eu caia na realidade, dizia a mim mesmo que se eu não me aproximasse dela, eu poderia perdê-la. Afinal, ela era linda e simpática, era inteligente e interessante. Mas eu voltava a sonhar, sem coragem de realizar este amor. Meu sonho me fazia forte.

Mas chegou o dia em que tudo ruiu, meu sonho virou pesadelo. Chegou o dia da decepção. Eu nunca poderia imaginar tal coisa. Foi pior que um “não” dela, foi pior que a pior traição. Eu esperava tudo, menos isto. Eu jamais havia experimentado uma sensação tão estranha e amarga.

O meu grande amor, o mais sublime dos meus sonhos, a razão de minha vida, estava abraçada ao meu irmão. Isto mesmo, meu irmão.

Eu não queria acreditar no que meus olhos viam. Mas eles estavam vendo a realidade.

Para mim, o mundo caiu. Eu estava arrasado, transtornado. O tempo passou. Eu quase perdi o ano na faculdade.

Aquele romance seguia adiante. Pra mim, vê-los juntos era simplesmente dramático. O que eu sentia não tem explicação.

Quando eu formei em medicina, tive que voltar. Iria trabalhar lá. Iria vê-los sempre juntos. O relacionamento deles ia ficando sério. Veio o noivado. Pra mim foi mais uma decepção, foi a certeza que nada os separaria. Eu queria que eles se separassem. Era egoísmo de minha parte, mas eu simplesmente não suportava a idéia dos dois juntos.

E chegou o casamento. Pra mim, uma situação trágica.

Até então eu não tinha demonstrado nada, tentava tratá-la do modo mais natural possível.

Eu ia ao casamento, confesso que ia. Era natural, eu era irmão do noivo. Mas pela primeira vez eu fraquejei. Entrei no carro e saí rodando sem rumo. Dizem que é feio um homem chorar, mas eu confesso que chorei, chorei muito. Não voltei pra casa, eu imaginava os acontecimentos.

Cheguei a vê-la entrar na Igreja enfeitada.

Ela se casou, agora era esposa de meu irmão. Passei a noite dentro do carro. Naquela hora meu irmão estaria apertando entre os braços a mulher que foi dona de minha vida, dos meus sonhos. Meu irmão estaria naquele momento consumando meus mais caros sonhos e desejos.

Eu senti inveja de meu irmão. Eu sei que foi mesquinho, mas eu tive vontade de estar no lugar dele. Você não sabe como eu tive.

Eu a perdi pra sempre. Mas o pior não foi perdê-la, o pior era vê-la com eu irmão. Eles estavam sempre felizes e eu cada vez mais triste e cheio de amargura. Eles felizes e eu morrendo por dentro. Evitava encontrá-los quando eles iam na casa de meus pais. Mas eu morava lá e às vezes era inevitável encontrá-los.

A casa dele eu não conheço, nunca fui lá. Todos estranhavam, mas eu sempre tinha uma desculpa.

Foi transcorrendo a vida, veio o primeiro filho deles. O filho que existia em meus sonhos. O nascimento da criança foi motivo de alegria para todos, menos pra mim que sentia uma inveja e uma tristeza imensa. A amargura e a infelicidade me invadiam e eu me sentia sufocado.

Eu já não suportava mais aquela situação Aquele ambiente me sufocava e me deixava deprimido. Agora tinha também o meu sobrinho. O sobrinho que eu queria que fosse filho. Eles exalando felicidade e eu morrendo por dentro a cada dia.

Dois anos depois veio o segundo filho deles. Eu confesso que gosto muito de meus sobrinhos. Eles são de alguma forma a concretização do meu sonho, são meu sangue.

Eu me sentia cada vez mais traído e ultrajado. Parecia que o casamento deles era o mais perfeito do mundo. Sempre juntos, sempre cúmplices e companheiros, sempre namorados apaixonados. A imagem da vida que eu queria viver com ela. Amor, cumplicidade, companheirismo, gentileza, filhos lindos.

Eu não sabia mais definir meus sentimentos. Estava ficando louco, obcecado. Nunca olhei ou me interessei por outra mulher. Por que aquele amor não morria? Não morre!

Os sentimentos em mim foram se misturando até que eu deixei tudo. Uma força que eu não sabia de onde vinha me impulsionou e eu sai de lá. Deixei o consultório e uma clientela fiel, uma carreira estabilizada.

Minha mãe não compreendeu nem aceitou minha atitude. Meu pai tentou me dissuadir da idéia. Eles achavam um absurdo. Ninguém entendeu o que aconteceu. Todos me aconselhavam e perguntavam a razão de tamanha loucura. Mas eu não ouvi nada nem ninguém.

Só de sair de lá eu me senti mais tranquilo

Cheguei aqui, nem sei exatamente porque aqui, com minha mudança, minha cara e coragem. Era o ano de 1986. Estava longe agora.

Instalei minha clinica e fui me estabilizando. Há dez anos saí de lá.

Conheci você.

Não sei porque estou confiando, não sei porque estou contando a você todas estas coisas. Talvez seja porque tudo isto ainda me sufoca. É como se externando estes fatos, eles saíssem de dentro de mim e me deixassem em paz.

Você é a primeira pessoa a quem eu conto a minha triste história.

Sabe, a conclusão que tirei de tudo isto é que amar solitariamente é um sonho destinado ao fracasso.

Mas, olha, um dia eu quero encará-los e enxergá-los como irmãos e não como rival e mulher. Aí eu estarei curado.

Durante todo este tempo eu venho tentando apagá-la do meu pensamento, retirá-la do meu coração, recomeçar minha vida.

Tentar construir um mundo a dois com alguém a quem eu possa amar um dia. Sem sonhos inúteis e sem frustrações."

Ele olhou no fundo dos meus olhos e disse: “Você quer construir comigo este mundo?”

Ele não sabia que eu também amava solitariamente até aquele momento.

Não precisei dizer nenhuma palavra. O meu olhar disse tudo.

Afinal, uma pessoa que sofreu como ele, sabe entender sem palavras.

Ele me beijou. Um beijo suave e doce mas ao mesmo tempo forte e intenso. Como eu sempre sonhei.

Saímos dali abraçados. O nosso mundo começou ali…

Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 19/12/2020
Reeditado em 09/10/2022
Código do texto: T7139458
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