SEPARAÇÃO II

Muitos anos se passaram desde que José viajou para a capital do estado para terminar seus estudos e Bento ficou na fazenda a esperá-lo. A roda da vida rodou levando em seu giro o tempo.

José não contentou-se em formar-se na capital do estado e lançou voo para a Europa, especificamente Portugal, para desenvolver suas técnicas de engenheiro agrônomo.

Bento que tinha um talento especial para dedilhar a viola e soltar a voz maravilhosa num coral com os pássaros na fazenda, resolveu aventurar-se, na capital, num curso de canto e violão que o conduziria a Faculdade de Música.

José era hoje um próspero dono de vinhedos em Portugal, famoso por seus vinhos e casado com Amélia, uma famosa fadista portuguesa. Vinha esporadicamente ao Brasil visitar seus pais na mesma fazenda de sua infância. José adorava, como na adolescência, calvagar pelos prados até o rio e então a lembrança de Bento ficava muito forte, porém desde que o pai de Bento faleceu e ele partiu, ninguém mais tinha notícias do menino.

José não tinha mais vontade de nadar nu no riacho sem a presença do amigo, mais não esquecia nunca de subir a colina e ver a velha Maria Fumaça que ia e vinha a cantarolar café com pão, bolacha não, bolacha não, bolacha não.

José hoje era um homem extremamente bonito, seus cabelos vermelhos e a barba rala como os cabelos do milho que formavam o milharal da fazenda e que adornavam dois pares de olhos lilases, como as miosótis que circundavam o riacho, umas maneiras de quem foi educado na Europa. Porem aprisionado nas retinas de José estavam os olhos negros como jabuticaba de Bento.

Naquela manhã, no avião, enquanto voltavam para Portugal, Amélia feliz da vida diz a José que seu empresário a havia convidado para participar do show de um cantor brasileiro que era um sucesso enorme nos Estados Unidos e que iria apresentar-se em Portugal e queria dividir o palco com ela como convidada

especial. José pergunta: _ vais aceitar ? e Amélia responde feliz: _ Já aceitei.

José atarefado com os vinhais não acompanha Amélia a nenhum ensaio, queria a surpresa do dia da apresentação.

Enfim chega o dia da apresentação e José acompanha Amélia mais garboso do que nunca, no seu smoking americano, parecia mais um astro de cinema do que um empresário. Amélia dirige-se para o camarim e ele para o seu lugar VIP.

O primeiro número seria o encontro musical de uma fadista com um cantor pop. O apresentador anuncia Amélia que entra deslumbrante com seu vestido de noite em veludo preto, bordado no decote com fios d'ouro , e uma manta estampada que a tornava mais linda do que era ao natural. Os acordes da orquestra se faz ouvir e José logo identifica a canção " A Flor da Pele" de Chico Buarque de Holanda um compositor brasileiro, como se houvesse sido teletransportado para a fazenda, no Brasil, ele ouve o trinar de um sabiá. Fixa o olhar no fundo do palco e vê se deslocando em passos lentos em direção a Amélia um deus de ébano, com seu longos cabelos todo trabalhado em trancinhas, seu corpo esguio , coberto por uma túnica em veludo vermelho e os pés descalços. José fixa os olhos nos olhos de jabuticaba do cantor e balbucia: _ é Bento ! e sem que possa conter seu olhos marejam e duas teimosas lágrimas desce por sua face e a voz do cantor balbuciando a primeira frase da canção diz :

"O QUE SERÁ QUE ME DÁ , QUE ME BOLE POR DENTRO SERÁ QUE DÁ"

e como num passe de mágica, o coração acelera e todos os sentimentos da infância voltam.

aureliano de queiroz
Enviado por aureliano de queiroz em 08/08/2020
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