A Promessa

A Promessa

“... não soltarei a sua mão, jamais.”

Importante que todos saibam que esse conto de veras não devia ser escrito. Outros já tentaram e foram consumidos por sua consciência, mas, por julgar mais que necessário, enfrento os temores da minha mente para assim contar. Este conto não fala apenas de amor, de saudade e lembranças doces... Fala de promessas, juramentos que vencem as barreiras do tempo, que superam a morte e ressurgem vida após vida.

O casal que vos apresento não há duvidas, são conhecidos de longa data e diversos foram seus nomes em um ciclo vicioso e infinito pelo qual há um único propósito. Efebo e Córdia viveram em tempos de intenso conflito, em um reino repleto de guerreiros, magos e dragões. Oras! Falar de amor em um mundo mágico parece tão clichê afinal... Mas não há medo em parecer simples, caro leitor, afinal existem magias e magias e creio que muitas delas podem ser usadas para o bem comum. Em um lugar onde os olhos humanos expressavam medo atrás das fuligens escuras da Guerra, Córdia foi Luz e atraiu Efebo.

Tanto breve como o amor surge ele ressurge de outras vidas de maneira intensa... Eles mal se viram, mas já se amavam e tão pouco importava as raízes de cada um. Eles renasceram um para o outro era fato, mas não sabiam aonde tudo iria se findam. Ao entardecer de cada dia os dois se encontravam a sombra de um carvalho. O abraço era breve, a lágrima contida, pouco se falava, mas, de fato, muito conheciam. Naquele dia, entretanto, Córdia demorou a se afastar... Suas mãos entrelaçadas as dele tinham um calor diferente... O olhar de Efebo parecia mais denso, seus músculos tensos, algo de ruim estava por vir e eles não se sentiam preparados para tal. Ao ser chamado por um soldado real ao longe, Efebo entrega a Córdia um pequeno pergaminho:

_ Luz da minha alma, doce companhia das minhas tardes... Seu olhar conforta a dor do conflito, me torna mais humano, sedento de amor. Algo de muito ruim esta por vir, eu consigo pressentir. Se me permites pedir gostaria que lesse este pergaminho no momento mais intenso de saudade. Sejamos fortes e oremos à Deusa do amor que nos abençoe.

_ Efebo sua presença trouxe sentido a minha existência. Agradeço sua atenção e suas palavras, mas não posso permitir sua partida. Eu sinto que não voltarei a ver seus olhos e isso me sufoca. Não vou soltar sua mão... Ainda que me peça.

Mas ela soltou...

Efebo fora escolhido pelo rei para seguir em Caravana rumo a novas terras, pois onde estavam pouco alicerce restara intacto, não havia agua ou comida e todos estavam a perecer. Quase em uníssono Córdia fora levada a umas das torres abandonadas de um reino vizinho por magos que acreditavam ser ela a garantia da vida.

Os dias que seguiram serviram apenas para atormentar almas. Cada minuto mais distantes um do outro. Qual o sentido de amar sem limites e sofrer por não conhecer o fim? Efebo travava guerras, combatia o bom combate e todas as noites sonhava com as lagrimas de Córdia, cravava a honra em sua armadura e não temia a morte. Enquanto ela, presa ao alto de uma torre, sob a guarda de dois magos seria em poucos dias sacrificada em honra ao Dragão EIfer.

Seriam os detalhes tão importantes agora para concluir este conto profano de amores? Sim... É fundamental. Córdia tinha no sangue a linhagem da dor. Em vidas passadas sua alma padeceu em lagrimas e amor para salvar gerações futuras. Córdia era Magia e seu sacrifício traria anos de paz aos vilarejos vizinhos que o Dragão outrora atacara. O mundo conhece sacrifícios de alma, de vida e de amor... Córdia seria mais uma afinal? Sim.

Ao nascer do Sol ela via ao longe o dragão. Sabia que não veria o nascer do sol uma vez mais... Tão pouco os olhos em que se perdia. Não sei de fato se vale enfatizar sobre o temor que nós mortais temos sobre o destino. Teríamos nós o futuro traçado ou ainda somos munidos do livre arbítrio e capazes de mudar nossa história?

Córdia conhecia seu fim. Cada vez mais perto o dragão estava e a dor que sentia não era por ela. Seu coração doía fora do peito naquele momento. Aproximando – se cada vez mais do beiral da torre sentia na brisa o calor do fogo. Suas vestes verdes da cor de seus olhos dançavam ao sabor do vento... Do ritual como um todo, outra hora com sorte saberão.

Entre a queda para a morte e a Ascensão para a vida eterna, Ela sentira sob suas vestes a textura e silhueta do escrito. Não houve momento que a saudade fora de menor ou maior intensidade desde a separação, mas talvez aquela fosse sua oportunidade em senti-lo:

“As batalhas mais árduas eu lutaria

As vestes mais pesadas e lúgrubes usaria

As fontes mais proibidas e ocultas provaria

Não há nada que eu não faria por você

As montanhas mais altas eu alcançaria

As profundezas sinistras dos abismos desceria

Os oceanos mais longínquos transporia

Não há distância que me separe de você

E com a mão em meu peito lealdade eu juraria

E se o calor acabasse te aqueceria

E mesmo ao céu e inferno visitaria

Minha alma grita ardente por você

Meu querer para sempre duraria

Assim como a sua mão carinhosa seguraria

Você sabe o quanto significa para mim amar você?”

Suas lagrimas mancharam as linhas finais. Incomodado de certa forma com elas, um dos magos se aproxima:

_ Pensei que já tivesses aceitado teu destino, por que depois de dias choras com tanta intensidade se a morte esta a dois passos de ti? Tens medo do dragão? Oras... Tem magia na alma e já te contamos sobre tua sina. Todo o povo depende de ti para sobreviver.

_ Já não temo a morte. Quando minha alma retornar nas próximas vidas encontrará Efebo. Sei que ele não voltará vivo, senti seu ultimo suspiro há pouco e já esta na hora de partir também. Meu amor, onde quer que esteja logo estarei ao seu lado... Eu prometi não soltar sua mão.

Com as palavras aninhadas a seu peito ela deu seu ultimo passo, e com certeza o encontrou.

Talvez tenha me precipitado ao dizer no inicio sobre o quanto este conto pode ser perturbador. Muitas pessoas não entendem a dádiva do sacrifício, o poder do amor entre almas e principalmente à força de uma promessa. Córdia e Efebo continuam de mãos dadas, vida após vida. Bem, talvez tenha me esquecido de mencionar, não lembro... Hoje, eu sou Córdia... e Efebo, ainda que a morte nos separe, não vou soltar sua mão... É uma Promessa.

Córdia
Enviado por Córdia em 26/07/2020
Código do texto: T7017142
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