Passavam-se os dias e Luís Carlos não conseguia seguir em frente. Começara a frequentar um barzinho sempre que chegava do trabalho. Sozinho em uma mesa, que já ficava à sua espera todas as noites, com a mesma moça servindo seu vinho preferido e sem dizer uma palavra, via-se envolto em um silêncio cristalizado. Certa noite a garçonete, uma moça de deslumbrante beleza, aproximou-se dele e, um tanto reticente, disse:
     - Com licença, senhor. O senhor não gostaria de conversar um pouco? Sabe, sou uma ótima ouvinte. Sua tristeza é aparente, seus olhos não brilham, não faz mais a barba, as camisas amassadas. Perdoe a intromissão, mas é impossível não notar.
      Luís Carlos levantou o olhar ao ouvir aquela voz doce e suave e com uma expressão de alma envelhecida disse:
     - Não estaria incomodando?
     - De forma alguma! Já não tenho ninguém para atender.
     E então começaram um longo diálogo onde ele falou de sua vida, das suas desventuras no casamento, dos altos e baixos, dos momentos difíceis, da correria do trabalho… enfim, desabafou tudo que o estava sufocando há muito. A moça ouvia atentamente com um olhar terno que certamente dizia bem mais que qualquer palavra. Naquele momento ela segurou suas mãos, fato que o deixou deveras surpreso.      Olhando-o nos olhos disse:
     - Sabe, a vida às vezes não é como queremos. Temos que passar por certos acontecimentos para aprender lições valiosas como cuidar de quem está ao lado, regar os sentimentos recíprocos, valorizar mais as pessoas e isso só se aprende com as experiências que a vida vai nos proporcionando durante nossa caminhada. Porém, não é o fim. Pode inclusive ser o início de um novo ciclo.
     Ele maravilhava-se com as palavras daquela pessoa que tão precocemente já lhe parecia incrível. Jamais ouvira alguém dizer-lhe palavras de sabedoria com tamanho sentimento. Ele podia não apenas ouvir o que ela dizia, porém sentir as palavras a invadir-lhe o coração, rasgando as cortinas que não permitiam-lhe ver o sol que, a despeito de suas agruras, ainda brilhava no céu.
     Estava tarde e Luís Carlos despediu-se daquela moça encantadora. Agradeceu por sua companhia, as palavras de apoio e a paciência em ouvir seu desabafo. Ela sorriu e disse que estaria lá sempre que ele precisasse conversar. Naquela noite a ausência de Laura pareceu mais amena e, pela primeira vez em muitos dias, ele sentiu vontade de voltar a ser o mesmo Luís Carlos de antes, porém numa versão melhor.
     Começou a frequentar assiduamente aquele barzinho e todas as noites conversava com aquela linda moça. Selena era seu nome. Horas e horas de conversa, risos, apertos de mãos, parecia que já se conheciam de longa data, tamanha era a intimidade que os cingia. Selena saía do trabalho praticamente no mesmo horário em que Luís Carlos ia para casa. Certa noite, ele ofereceu uma carona e ela aceitou. Conversaram muito durante a viagem, trocaram confidências e então ele a convidou para tomar um vinho em sua casa. Ela aceitou o convite sem pestanejar.
     Aquela foi uma noite agradabilíssima. Ambos se derramaram na presença um do outro e, após algumas taças de vinho, pareceria já não haver segredos entre eles. As experiências em seus relacionamentos tinham inúmeras similaridades e talvez por isso havia aquela sintonia perfeita entre eles. No calor do vinho, da conversa e dos toques, eles deram seu primeiro beijo. Um beijo que reunia vários ingredientes e que dava início a uma nova fase daquele relacionamento. Ao beijo uniram-se as carícias e por fim entregaram-se a uma noite intensa de prazer. Com muito sentimento. No dia seguinte, acordaram e foi como se já tivessem passado noites e noites juntos.
     Na medida em que os encontros passaram a ocorrerer com mais frequência, Luís Carlos parecia não sentir mais falta de Laura. A solidão e a tristeza deram lugar a largos sorrisos e momentos de intensa felicidade. Sempre se referia a Selena como uma mulher sábia, carinhosa e compreensiva. Ela era tão ocupada quanto ele, mas sempre que estavam juntos fazia parecer que nada mais importava a não ser aquele momento. Não sabia por quanto tempo aquele relacionamento duraria, mas dia após dia ele tinha certeza que Selena era sim a mulher com quem queria passar o resto de seus dias. As feridas deixadas pelos erros cometidos durante o casamento com Laura eram finalmente curadas através de Selena.
     Enquanto isso, Laura seguia sua vida sem pensar na possibilidade de um relacionamento. Não suportava a ideia de ter que se envolver com alguém novamente, pois tinha certeza de que não seria mais que uma nova frustração. Definitivamente ela não acreditava no amor e nem na vida a dois. Não mais. Porém a vida é surpreendente. Nada está parado no universo. Tudo está sempre em movimento e nem sempre percebemos qual será o próximo. Cansada daquela rotina, ela decidiu aceitar o convite de umas amigas para prestigiar uma festa daquelas finérrimas. Ao chegarem na tal festa, Laura e mais duas amigas logo foram recepcionadas por um homem elegantemente vestido que as conduziu ao salão e lhes mostrou tudo o que havia naquele lugar magnifico. Vendo-a estática, numa espécie de imersão, o homem, Henrique era seu nome, perguntou-lhe se ela estava bem.
     - Algum problema, senhorita? Algo não está do seu agrado?
     - Sim, sim. Perdoe-me a intromissão, mas, para uma festa tão elegante, acredito que pecaram um pouco na decoração.
     Deram início a um longo diálogo a respeito de todos os detalhes da festa. Henrique era organizador de eventos e impressionou-se deveras com a capacidade de observação que Laura possuía. Algo nato, ele percebeu. A maneira como ela dava sugestões sobre cada detalhe, a sensibilidade com que tocava cada componente do cenário, fazia parecer que ela trabalhara com aquilo a vida inteira.
     - Você deve organizar muitos eventos. –  disse ele. 
     - Nunca tive o prazer. Sempre fui apaixonada por organização de eventos, porém meu ex-marido nunca me permitiu. Sempre disse que mulher não precisa trabalhar quando o marido ganha muito dinheiro.
     E a conversa se estendeu por toda a noite. Falaram sobre muitas coisas, entre elas sobre relacionamentos fracassados, sonhos frustrados, vidas paralelas, compartilharam sonhos entre outros assuntos. Laura não imaginou que aquela noite seria tão agradável. Henrique, impressionado com seu talento, convidou-a a trabalhar com ele na organização dos eventos agendados. Ela não poderia estar mais feliz. Finalmente ia fazer o que sempre sonhou.
     Trabalharam juntos muitos dias e organizaram vários eventos. Laura estava extasiada com os novos acontecimentos em sua vida. De repente percebeu que o mundo não se resumia à vida medíocre que levara com Luís Carlos. Novos horizontes se abriam bem a sua frente.      E aquele homem. Ah! Aquele homem era tão perfeito, tão compreensivo, tão parceiro, incentivando-a o tempo todo, mostrando que ela tinha potencial, acreditando nela. Isso além de ser bonito, elegante, inteligente e possuir tantos outros adjetivos que não conseguiria descrever.
     Certa noite fazia um friozinho bem agradável e eles resolveram sair para comemorar o sucesso de um evento que realizaram e que foi elogiado pela mais alta classe da sociedade paulista.  Foram até um restaurante fino, jantaram, beberam várias taças de vinho e entre risos e mais risos, Henrique revelou a Laura que estava apaixonado por ela.
     - Laura, sei que você ainda está ferida, que não deseja se relacionar com ninguém, mas prometo fazer de você a mulher mais feliz do mundo. Não vou te sufocar, vou te apoiar em todos os teus sonhos e estarei segurando sua mão em qualquer caminho que quiser seguir.
     Os olhos de Laura faíscavam em uma mistura de desejo e medo de dizer sim, porém há dias não conseguia tirar Henrique do pensamento. Aquele sorriso, aquele jeito encantador... era perfeito em tudo que fazia, sempre tratando-a como se fosse uma rainha. Era realmente impossível dizer não.
     - Henrique, você é diferente de qualquer homem que já conheci nesta vida.  Fez com que eu enxergasse um outro lado da existência. Para mim só existia o lado obscuro, onde era impossível existir amor, reciprocidade, mas nesses meses de convivência com você, percebi que a vida pode ser infinitamente melhor, que existe sim redenção no amor e que em algum lugar há sempre alguém vibrando na mesma sintonia que você. Então... minha resposta é sim.
Bem, se existe redenção no amor? Talvez. O fato é que Laura e Luís Carlos enfim encontraram seus caminhos.
Josy Matos
Enviado por Josy Matos em 29/06/2020
Código do texto: T6991212
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