A bela moça da varanda

Trabalhava o dia todo. Papel, caneta, camisa social, calor, ar condicionado, suor. As horas demoravam a passar. A burocracia o devorava por completo. Danilo quase não respirava. Seu único alivio era Vânia. Uma mulher escultural, loira, sensual. Era a secretária. Ele completava algumas horas de seu dia. Mas não era tudo que ele queria, ela era apenas uma imagem de idealização.

-18h00 em ponto, vou embora! - diz Danilo, esse era o horário sagrado da liberdade.

Esse relato inicial não é um relato de um dia, todos os dias eram assim, todas as horas, todos os momentos de seu trabalho infimo, pequeno, dentro da sociedade. Ser assistente de um contador, e usar o salário pra pagar a faculdade, cujas parcelas eram ainda completadas pela mãe costureira.

O homem anônimo, Danilo, sem nome, de beleza chamativa, lábios fortes e cabelo preto. Porém, invisível, na sociedade do consumo e das aparências. Era o herói apenas de sua mãe.

Tinha amigos, sim, de tomar cervejas baratas e pescar quando conseguia um dinheiro a mais fazendo imposto de renda.

Mas, havia uma figura. Não a deslumbrante Vânia. Mas, a moça da varanda.

Era uma mulher de igual condição, recatada, mas moderna em suas roupas. Ela tinha uma beleza muito fraca, não chamava a atenção. Mas ela sempre olhava o céu a noite, todos os dias, sentada na mureta da varanda, com as costas na parede e as mãos no joelho. Seu nome? Júlia.

Ela não o notava, mas ele sim. Passava e lá estava ela, a contemplar a noite. Não tirava os olhos do céu, não o olhava, parecia que as coisas da terra não chamava sua atenção.

Um dia, depois do dia já descrito, igual. Danilo resolveu a conhecer, lá estava ela, na varanda. Ele colheu uma rosa e deu a ela.

- Que tanto olha para o céu?

- Aprendi que os olhos são feitos para olhar! - retrucou.

- Sim, mas você só olha a Lua.

- É melhor usar nossa visão para ver o belo.

- E eu não sou belo?

- Sim, de rara beleza.

Danilo se surpreendeu, não pensou que ela o percebia. Jamais.

-Você me percebia esse tempo todo?

-Sim

E lá se foi um longo papo.

- Mas, por que nunca não me olhou?

- Há várias formas de olhar. Você é um rapaz belo, será sempre olhado. Minha olhada foi lhe dada uma única vez. Já tive o bastante.

- E por qual motivo você não me dava atenção quando eu lhe derretia olhares?

- Por quê ninguém jamais teria algo comigo, ninguém nos dias modernos olharia pra alguém que olha pro céu, imaginando coisas.

- Para com isso, você é linda e fascinante!

Fizeram uma amizade. E assim, dia igual após dia igual, eles conversavam todas as noites. Houve a tentativa de lhe roubar um beijo, e ela aceitou. Se beijaram muito.

Mas ela era diferente de todas, não era sensual, não exibia grande inteligência, nem recursos financeiros. Mas olhava pro céu, como ninguém.

Aos poucos, Danilo se viu num dilema: amar sem sentido, mas encantado com ela. O que ele faria? Ele não a achava interessante, mas era encantado por ela, elo seu jeito simples.

Passou-se o tempo, ela se mudou com a família e foi embora. Foi morar em outro estado. Não se despidiram. Mas ela havia riscado com giz de cera a parede da casa:

“Notei que nada lhe oferecia, as mulheres sempre sabem. Mas deixo a Lua de presente pro mais belo contador do mundo. Olhe ela para se lembrar de mim”.

Danilo sentou na mureta, olhou com lágrimas nos olhos para a Lua, e agora tudo se resumia à saudade da moça apática da varanda.

Fim