Ternura
Flávia viu a rosa e imediatamente pensou em Rogério. Que romântico!, pensou, enquanto olhava para cima, para o céu, para as nuvens, mesmo que o chapéu atrapalhasse sua visão. Já estava a anoitecer. Como é possível que coisas como o romantismo possam durar tanto tempo nos corações das pessoas? Não sabia se ela era cética demais, ou se era Rogério que era um sonhador incorrigível, ou se o mundo ainda guardava essa substância feita de ternura em seu interior imperceptível, por trás da casca das aparências frias e distantes dos rostos das pessoas por qual passava na rua ou que conhecia. De qualquer forma, aquela era uma boa lembrança: O dia em que Rogério lhe dera uma flor em um parque, logo depois de brincar dizendo que ia fazer suas necessidades atrás de alguma árvore e do sangue que escorreu de seu dedo, quando mostrou a flor bem em cima do ombro de Flávia que se distraía pela correria e agitação de seus filhos, e por isso não ouvira os passos do marido. Isso lhe valera uma bela recordação. Seu sorriso voltou a ser o da moça que sentava na praça para conversar com o rapaz cheio de histórias do que fizera nos tempos de criança. Tais histórias eram cheias de meias verdades e invenções, mas eram doces de tanto humor e imaginação que as temperavam. A flor hoje cresce em um canteiro no quintal da casa e recebe muitos cuidados e mimos de sua dona. A mulher finalmente se levantou e retirou as luvas, cobertas de terra, das mãos. Retirou também o chapéu que a protegia do sol. Uma flor se multiplicara e agora era um ramo inteiro, pensou, e saiu do quintal para esperar a chegada de Rogério do serão.