É de coração
- O que você vai dar de presente para a Minakshi no Dia dos Namorados? - Indagou minha mãe, à mesa do café.
Para alguém que sempre havia se referido a mulheres de cor em termos depreciativos, minha mãe parecia ter sofrido uma transformação em suas expectativas após conhecer Minakshi.
- Confesso que ainda não havia pensado nisso, mãe - repliquei, aquecendo as mãos em torno da caneca de achocolatado.
- Pois vou lhe dar uma sugestão, grátis.
Ela inclinou-se sobre a mesa, em minha direção, como se fosse contar um segredo:
- Orquídea.
- Minakshi gosta de flores? - Indaguei surpreso.
- Aposto que nunca havia reparado nisso, não é? - Minha mãe lançou-me um olhar zombeteiro.
- Bom, na verdade não. Mas orquídeas... são caras, não é?
- Não são baratas - admitiu. - Mas creio que você pode comprar pela internet, e entregam em domicílio. Posso até fazer a despesa no meu cartão de crédito.
Agora eu estava perplexo. Encarei minha mãe, tentando descobrir o que estava por trás daquela súbita demonstração de generosidade.
- Por que faria isso, mãe?
Ela respirou fundo. Depois, juntou as mãos.
- É um modo sutil de fazer com que ela perceba que somos uma família de posses; para o caso desse seu namoro ir adiante.
Não pude me conter diante daquela declaração presunçosa.
- Mãe! Francamente!
Terminei de beber meu achocolatado, juntei os cacos despedaçados da minha crença na mudança interior de minha mãe, e saí da mesa.
* * *
Depositei a pequena caixa decorada nas mãos de Minakshi, cujos olhos brilharam.
- Pesado! O que é isso?
- Abra! - Sugeri.
Estávamos aguardando pelo ônibus depois das aulas, no lado de fora do colégio, e eu escolhera aquele momento para dar à ela o presente de Dia dos Namorados que eu havia comprado com o dinheiro da minha mesada - não com o cartão de crédito de minha mãe.
- Bolo de frutas! - Ela exclamou, aparentemente deliciada.
- Andei pesquisando - redargui. - É o que servem lá em Kerala, no Natal, não é?
Estávamos em fevereiro, mas afinal, o que conta é a intenção. Minakshi me abraçou.
- Obrigada, obrigada, obrigada! - Repetiu.
- Você gostou? - Indaguei em seguida.
- Me fez lembrar da casa da minha avó, de quando íamos à Missa do Galo - ela riu.
- Missa do Galo? - Franzi a testa.
- É uma tradição católica - comentou, enquanto guardava o bolo na mochila. - Depois eu te explico.
Então haveria um depois, pensei feliz.
- Feliz Dia dos Namorados, Minakshi - eu disse simplesmente.
Ela mordeu os lábios.
- Eu não te comprei nenhum presente - admitiu, antes de abrir um sorriso e inclinar o corpo para a frente, olhos fechados:
- Me beija!
Não precisei de um novo convite.
- [06-05-2020]