SONHOS PERDIDOS
 
 
Cristina estava estendida no sofá da sala, olhando o vazio, com o rosto congestionado, certamente do choro, quando a filha Luísa entrou em casa, apressada, procurando a mãe. Era mais um final de semana que alternava com a casa do pai. Adorava-os e sentira um enorme desgosto quando se separaram, mas respeitou a decisão. Nunca fora pressionada por nenhum deles e isso agradecia a Deus, comparando com a situação de tantas colegas.
Quando a viu assim triste, com os olhos inchados e vermelhos, abraçou-a e questionou a razão desse sentir.
Cristina demorou a responder, depois desvendou parcialmente aquilo que a afligia: - Tive um grande, um enorme desgosto…
Luísa pressionou-a para especificar esse desgosto. Cristina olhou-a, abraçou-a de novo. Nesse amplexo a filha sentiu-a a tremer, percebeu que estava a sofrer e muito. Quis ajudar…
- Mãezinha, ainda me julgas criança, mas na verdade, com dezasseis anos, já compreendo muito da vida e suas partidas. Conta-me o que aconteceu, por favor!
Ao fim de um penoso silêncio, Cristina olhou-a de novo e acabou por desabafar:
- Minha doce querida, sempre amei o teu pai, ele é excelente como progenitor, não o foi como marido, mas enfim… Talvez não imagines sequer, ainda és muito nova, mas há várias espécies de amor… - Tossiu um pouco para disfarçar a emoção e depois continuou: - Há três meses atrás, quando estava de férias, conheci um homem maravilhoso, tão maravilhoso que até me beliscava, incrédula. Julguei impossível existir um homem assim, perfeito em todos os aspetos, sempre ali, apaixonado, doce, incrivelmente doce, atencioso. Perto dele meu coração dava pulos, quase me cortava a respiração. Com ele vivi nas nuvens.  Chamava-se Paulo, era viúvo, médico e tinha um filho já adulto, chamado Alberto. Também estava de férias da sua atividade - fazia voluntariado num país africano, juntamente com o seu descendente. Devido a esse compromisso, teve de se afastar de mim e regressar para cumprir mais um período de voluntariado. Prometera-me solenemente que viria ao meu encontro e ficaríamos juntos para sempre. Escrevemos um ao outro durante várias semanas a fio, cartas apaixonadas, abríamos o coração e ainda mais apaixonada fiquei.
Anteontem, recebi uma visita inesperada: era Alberto, transportando sob o braço uma caixa de cartão. Ainda não o conhecia, mas logo senti um arrepio, um mau prenúncio. Apresentou-se e abriu a caixa à minha frente. Espreitei o conteúdo: eram diferentes fotos e várias cartas atadas com fita de cetim, todas as que lhe enviei, duas ou três ainda fechadas, que foram devolvidas após a sua morte num trágico acidente. Desabei quando me contou os pormenores do acontecimento. Ele apoiou-me no ombro pois desmaiei. Passado algum tempo, um pouco mais calma, vi algumas fotos que já conhecia, ele figurava junto a alguns aldeões da terra onde cumpria a sua nobre missão. Sempre sorridente e tão lindo… era o meu anjo, o melhor homem do mundo…
Cristina desatou a chorar de novo, inconsolável e a filha, abraçando-a, também se sentiu emocionada. Paulo deveria ser mesmo boa pessoa, para a mãe o amar assim, de forma tão intensa e em tão pouco tempo de conhecimento…
Curiosa, com a permissão da mãe, Luísa pegou numa das cartas e leu:
 
Meu amor:
Conto os dias, as horas e os minutos que faltam para te abraçar de novo, sentir teu rosto encostado no meu peito, o cheiro do teu cabelo, o teu calor… Pouco tempo falta e conto desde logo apresentar-te o meu filho, que está aqui comigo, e também quero conhecer a Luísa, de que falas sempre com tanto amor e orgulho…
Vamos viver juntos? Sem precipitações, é certo, mas tenho a certeza que quando te encontrar de novo, nunca mais te vou deixar, ficaremos juntos para sempre. Acredita, amor, esse é o meu maior desejo…
Envio-te beijos, mil, apenas uma fração dos que te vou dar quando estivermos juntos de novo.
Amo-te muito, és a mulher da minha vida, sem dúvida alguma!
Paulo 

Luísa sentiu os olhos molhados e uma forte angústia no coração. Entretanto a mãe ficou um pouco mais calma, ela abraçou-a de novo e ajudou-a a levantar-se. Foram até à varanda, olhando o mar, esse mar que Cristina tanto amava. Talvez que quando ela olhasse a imensidão marinha visse Paulo tal como um deus dos mares, um Poseidon terrivelmente apaixonado por ela…





 
Ferreira Estêvão
Enviado por Ferreira Estêvão em 06/02/2020
Reeditado em 09/02/2020
Código do texto: T6859816
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