Devolva à remetente

O quarto de vovó já havia sido limpo, todas as gavetas esvaziadas do seu conteúdo, o armário das suas roupas e sapatos. Foi arrastando a cama para varrer embaixo, que eu e mamãe percebemos a tábua solta no piso. Uma premonição fez com que eu me abaixasse e a erguesse; como desconfiara, a cavidade abaixo havia sido usada como esconderijo. Dentro, havia uma pequena caixa de madeira, fechada à cadeado. Eu e mamãe nos entreolhamos.

- Seu avô nunca pensaria em procurar aí - observou minha mãe, pensativa.

- Arrastar móveis não era o estilo dele - acedi. E, chacoalhando a caixa:

- Havia alguma chave de cadeado nas coisas da vovó?

Minha mãe balançou negativamente a cabeça.

- Não que eu me lembre. Quando ela guardou a caixa, talvez tenha ficado com medo de rever o conteúdo...

- E nós... devemos? - Indaguei hesitante.

- Talvez não seja nada do que estejamos imaginando - sugeriu ela. - Quem sabe, são apenas bônus de guerra que ela resolveu guardar e acabou esquecendo...

No fundo, eu e mamãe sabíamos que o que havia naquela caixa, não eram bônus de guerra ou dólares da década de 1940. Fui pegar um martelo e instantes depois, arrebentei o cadeado.

- Cartas! - Exclamei, erguendo os envelopes amarelados.

- E fotos... com a Júlia, naturalmente - comentou mamãe, sentando-se ao meu lado na beira da cama e manuseando o conteúdo da caixa.

- Aqui... você junto com a tia Joannie, no colo da Júlia! Onde foi isso?

- Um piquenique no parque, creio... - minha mãe mordeu os lábios. - Sua avó e Júlia parece que evitavam lugares públicos fechados. Tinham lá suas razões, como deve saber.

- Sim - aduzi.

E repondo os envelopes na caixa, sem coragem de abri-los:

- O que vamos fazer com isso, mãe?

Mamãe ficou em silêncio por um momento. Ao abrir a boca, contudo, já havia tomado sua decisão.

- Precisamos saber se a Júlia ainda está viva. Se estiver, este material pertence à ela, já que foi quem o escreveu. E se não estiver...

Retirou as fotos da caixa e as colocou sobre a cama.

- Melhor queimar tudo, em respeito à memória da sua avó. Menos as fotos, claro.

- Sim, podemos ficar com as fotos - aquiesci. - Aquelas em que você e a tia Joannie aparecem?

- Todas elas - replicou minha mãe, exemplificando precisamente o que queria dizer com uma foto de vovó e Júlia abraçadas e sorridentes, vovó com a cabeça romanticamente encostada no ombro da grande paixão da vida dela.

- [19-01-2020]