A Garota da Janela I - O anoitecer

Parte I

Respirei fundo, ao concluir a respiração, senti meu corpo relaxar de toda a tensão que um dia horrível de trabalho me proporcionava. Não, não era um dia horrível, era uma rotina péssima! Eu sofria desse mal, o péssimo hábito de me enjoar das coisas, das rotinas, das pessoas... Ah, são apenas vinte e dois anos de vida, duas décadas e dois anos de puro enjôo da vida. Era um sentimento de perdição! Não sei, é até engraçado tentar explicar algo que desconheço. Talvez, minha vida não tivesse tanta significância, passava o dia atendendo clientes em uma loja de eletrônicos, o que tem de relevante nisso? Assim que meu horário acabava, pisava na calçada, sentia o clima pesado da cidade, sentia todas aquelas pessoas andando, aquela enorme e comum fila de carros naquela rua tão apertada. Fones de ouvido, uma música melancólica e um joguinho simples de cintura, para me esquivar de todas as pessoas que andavam pela calçada.

Pessoas que pareciam tão vazias, perdidas em seus celulares. Não estou criticando, não! Só gostaria que olhassem para frente as vezes, nem sempre consigo me desviar. Era o trajeto de sempre, andar por aquela calçada no centro da cidade, chegar ao primeiro ponto de ônibus e ali aguardar uns minutos. Então, ele chegava, cheio, como sempre... Eu entrava com algumas pessoas que estavam no ponto comigo, as mesmas pessoas, um senhor sempre com o jornal do dia e um odor insuportável de cigarros e bebida, uma garota que sempre estava mascando um chiclete, mesmo com meus fones, ouvia aquele estalar irritante que saía de sua boca aberta. Também tinha uma mulher, de meia idade, sempre suada e com uma bolsa embaixo do braço, costumeiramente cansada, entretanto, sempre sorria, provavelmente voltando feliz para sua casa ver seus filhos. Essa senhora, era a única pessoa que eu sempre via e sentia, não sei, uma certa esperança. O senhor com o jornal, com certeza havia perdido a esposa, apesar de sua aliança do dedo, ele tinha outra menor pendurada em uma corrente fina sobre o pescoço, era um péssimo fim. A garota mascando aquele chiclete, estava de cara enfiada no celular atualizando sempre a sua foto esperando as curtidas aumentarem, uma jovem completamente superficial, assim como todos da minha idade. Mas, essa mulher de meia idade, parecia ter alguém a esperando em casa, seja filhos ou seu marido, ela tinha algo... O que era aquilo? Sempre me perguntei o porquê dela admirar tanto a vida. Enfim, jamais saberei, pois, é apenas mais uma dessas pessoas interessantes que vemos em lugares públicos. Pessoas que gostaríamos de sentar e conversar por horas, mas, não temos coragem nem de desejar um bom dia, boa tarde ou boa noite.

O ponto mais próximo de casa, ficava em uma praça, todas as vezes que descia do ônibus, olhava essa praça e pensava no quanto havia brincado nela, meus pais nunca me deixaram sair tanto, mas, ao poucos fiz amizades e eles então confiaram em mim o suficiente para me deixar jogar bola na rua após a escola. Era nostálgico ver aquele lugar todos os dias, e também era mórbido, pois todas as minhas amizades morreram alí mesmo, Chris, William e Arthur, meus únicos amigos. Chris, se tornou militar e só Deus sabe onde ele está. Will acabou mudando de cidade, mantemos contato por um tempo, depois eu resolvi sumir, havia enjoado dele e da conversa monótona, nenhuma amizade é a mesma à distância. Arthur, sempre foi o mais medroso de nós, ninguém nunca pensou que ele pudesse roubar uma loja e no fim ser morte pela polícia, infelizmente, foi o que aconteceu. Não sobrou nenhum resquício de amizade com eles. Desde criança, pensava nisso, em como tudo acabaria para mim... Em como, aos poucos, as amizades que eu tinha, iriam se afastar e novamente eu estaria sozinho, sem propósito e novamente sem respostas para minhas perguntas. Me sentia insignificante desde a minha infância...

Descia um pouco a rua, após a praça e ali estava minha casa, as ruas, na época de minha infância, eram mais movimentadas, hoje, creio que as crianças estejam em casa, jogando videogame. Mas, ali estava, minha casa e para além dela, eu via o anoitecer, o sol se deleitando lentamente entre as montanhas ao longe, na área rural da cidade. O anoitecer, era a única visão que me fazia arfar de esplendor, a única visão que superava aquela mulher que compartilhava o mesmo ônibus que eu todos os dias. Infelizmente, nada disso respondia todas os questionamentos que eu possuía... Logo, tudo se transformava em escuridão, e a minha, era regada pela tentativa de solitude.