Teu rosto rouge

- Por que você guarda uma arma do lado da cama? - Indagou ela, sentada de camisola branca na beira do leito, os longos cabelos ruivos em desalinho.

Ainda sob os lençóis, ele entreabriu os olhos, contrafeito. Aquela parecia uma conversa extremamente estúpida para se ter pela manhã, principalmente antes do desjejum.

- Esse é o seu bom dia? - Resmungou. - Por que alguém põe uma arma no criado-mudo? Para se proteger contra quem quer que tente invadir sua casa, claro!

- Desde quando você começou a se preocupar com a segurança da casa? - Questionou ela. - E quando aprendeu a atirar, se é que aprendeu?

- Não estou entendendo a razão desse interrogatório logo cedo... - retrucou ele, afastando os lençóis e sentando-se no lado oposto do leito, de costas para ela.

- Eu estou me perguntando se essa arma tem algo a ver com a sua súbita decisão de me admitir como parte da sua vida - prosseguiu ela em tom amargo. - Você, que sempre fugiu de mim. Você, que jamais admitiu a ideia de se casar comigo.

Sem se virar, ele enfuriou-se.

- Então, quando finalmente decido lhe dar uma oportunidade de estar comigo, a sua reação é questionar a existência de uma arma na gaveta ao lado da cama?

- A arma me força a avaliar todas as possibilidades. Que você tem me evitado sempre que pode, por todos esses anos, é uma realidade. E agora, finalmente, decide capitular. Por quê? Não é pelo meu dinheiro, tampouco pela minha beleza. Há algo em mim que o desagrada e que o faz querer afastar-se?

- Talvez porque você seja louca, - redarguiu ele - e agora isso parece ter ficado bem claro. A arma é para minha proteção.

- Sua proteção? Contra mim? - Inquiriu ela incisivamente, voltando-se para ele.

Quando ele se virou para encará-la, percebeu que ela estava com a arma em punho, apontada para ele.

- Largue isso. Você pode se machucar - advertiu, sem erguer a voz.

- Não sei se você sabe atirar, mas pode estar certo de que eu sei - replicou ela impassível.

- A arma não estava aí para lhe fazer qualquer mal - assegurou ele, inclinando-se na direção dela. E estendendo a mão esquerda:

- Vamos, me dê isso.

- Não - retrucou ela.

- Vamos agir como dois adultos, não como crianças.

- Se imaginou que iria me pegar de surpresa, enganou-se - redarguiu ela, sem baixar a guarda.

Ele inclinou-se ainda mais e pegou na arma pelo cano.

- Seja razoável - exortou, em tom apaziguador, enquanto empurrava o cano para baixo.

Ela disparou. Ele soltou um grito de dor.

- Minha mão! Sua imbecil! Você atirou na minha mão!

- Achou que eu não teria coragem, Edvard? - Inquiriu ela, erguendo-se e jogando a arma de volta ao criado-mudo de onde a havia retirado.

Enquanto ela saía do quarto e ia fazer as malas para voltar para a casa dos pais, Edvard, agora sozinho no leito manchado de sangue, gritava impropérios e tentava fazer um curativo improvisado na mão ferida.

- [07-11-2019]