A nitidez de um lapso

Lembro-me como se fosse hoje a primeira vez que a vi. Naquela noite fria de verão, em que o véu negro noturno abria espaço para o alvor plenilúnio descer do céu em raios de prata e rasgar a penumbra, misturando-se a incandescência daqueles olhos que fulguravam o azul do mar e, que de repente se atiraram nas frestas do meu peito atingindo as entranhas do meu coração. Percebi que naquele momento as folhas secas caiam procurando aconchego na pavimentação, e ao sentir o orvalho cair sobre si, os botões começavam a desabrochar para que os galhos não permanecessem nus. Nus como os meus lábios, que a dias não eram cobertos por outros, ou tão nus como os meus desejos que naquele instante afloraram e se desnudaram, vislumbrando-se pelo atrevimento do meu olhar denunciador.

Apesar de verão, a noite estava fria, pesada e gotejante, além disso vazia e deserta, onde eu contava apenas com a companhia do silêncio e da solidão. Tentei dormir, mas foi inútil, e um pouco menos de meia noite, resolvi sair sem destino certo, a onde o desejo me levasse seria o caminho a seguir. E logo os meus passos me levaram à fonte de saciedade de minha inquietude e da minha insônia. Que a princípio era um lugar qualquer, igual a tantos outros já frequentados.

Entrei e procurei sentar-me em uma mesa afastada e vazia, onde eu pudesse ter uma visão privilegiada de todo o ambiente. Logo fui surpreendido por aquela figura imponente: alta, corpo escultural vestida de modo que valorizava suas curvas delineadas, cabelos longos e de lábios rubros aveludados e bem definidos, que realçavam ainda mais a sua beleza, espalhando graça e simpatia por todo recinto. Era uma linda mulher! E ao percebe-la, logo esqueci-me de que ali era um lugar qualquer. Esqueci-me também que estava em busca de coisas sem importância e que ali: o lugar, as coisas, as pessoas e até mesmo a minha presença eram insignificantes. E ainda, lembrei-me de esquecer que o que eu procurava era corpo, era carne... Enfim, nada mais do que algumas horas de prazer. Ela me fez esquecer disso tudo, apenas ao vê-la.

Os seus movimentos passaram a ser acompanhados pelos meus olhos, e por um momento acabei perdendo-a de vista. Pensei que ela não estivesse me notado, mas o meu distraimento foi surpreendido por uma voz doce e sussurrante que ao ecoar ao pé do meu ouvido estremeceu as estruturas do meu peito e arrepiou a minha pele.

— O cavalheiro solitário por acaso estar procurando alguma coisa?

Eu surpreso e ainda confundido, digo-lhe que sim, mas que naquele momento já não estava mais.

E perguntou-me se eu estava precisando de alguma coisa. Logo enfatizei que sim, uma bebida quente e a companhia de uma bela mulher em um espaço confortável e aconchegante seria o suficiente para tornar o meu início de dia mais agradável. (Já que passava da meia noite).

Então pedi para que me fizesse companhia, e ela educadamente aceitou. Levantei-me, puxei a cadeira e ela sentou-se. Bem, a companhia de uma bela mulher eu já tinha, faltava então algo que esquentasse as minhas palavras, e logo pedi para que servissem a mesa com uma garrafa de vodca para me, e para ela, preferi que escolhesse ao seu gosto, mas ela optou pela mesma bebida.

Estávamos nós dois ali, frente a frente. O que eu mais queria! O silêncio predominou por alguns instantes, até que esqueço-me que as pessoas que frequentam aquele ambiente são sem nomes, sem histórias, sem passados, sem futuro e talvez, até mesmo sem presente. E acabei por perguntar:

— Como se chama?

— Samantha. Esse é o meu nome! E o seu?

— Me chamo Rodrigo!

Ao tentar esticar a conversa, o garçom nos interrompe e coloca sobre a mesa o pedido, e sai. O silêncio grita mais uma vez entre nós. Até que é descontinuado pelo som de bebida derramando no copo. Pego a garrafa de vodca e começo a despejar nos copos, o meu e o dela, e começamos a beber. Notei que ela tinha simpatizado comigo, e eu não precisava nem falar. Estava sentindo algo inexplicável, que antes nunca tinha sentido!

Já que eu nunca fui de conversar muito, perguntei apenas se ela estava disponível, ela me respondeu que talvez sim, ou talvez não. Fez suspense, olhou em meus olhos e me perguntou:

— Se eu me levantar dessa cadeira e sair dessa mesa, e ir para outra, o que você faria?

Sua pergunta me surpreendeu, calei-me por alguns segundos, bebi o resto de bebida que estava no copo, o enchi novamente, e disse que se isso acontecesse eu estaria sendo convidado a me retirar do ambiente, por que nada ali era mais importante do que sua companhia. E olhando dentro dos meus olhos, novamente ela me pergunta:

— Então isso quer dizer que não estou mais disponível, não é cavalheiro?

Estendeu-me a mão e convidou-me para conhecer outras dependências do lugar. Nossa, tudo estava acontecendo melhor do que eu esperava! Levantamo-nos, pegamos a garrafa e os dois copos e saímos, ela na frente e eu atrás. Subimos uma pequena escada, e quando chegamos em um quarto ela abriu a porta, entramos, coloquei a garrafa em cima do criado-mudo, após tomar mais um gole da bebida acostei o copo junto da garrafa. Enquanto isso, ela fecha a porta. O quarto espaçoso e aconchegante, clareado a meia luz, uma cama grande e redonda, refletida no teto.

E mesmo antes de qualquer coisa, sem precisar de palavras ela compreendeu todo o meu desejo e vagarosamente esfregou os seus lábios nos meus empurrou os seus dedos entre os meus cabelos acariciando a minha nuca começou a beijar-me. E a cada beijo os arrepios estremeciam-me, os seus lábios quentes no meu pescoço tremiam-me todo, a minha orelha dentro de sua boca e a sua língua dentro do meu ouvido era algo que deixava o meu desejo a flor da pele. Logo ela mostrou-me que além de bela era decidida, sentou-me na cama tirou os meus sapatos, novamente levantou-me começa a desabotoar a minha camisa, botão a botão, e ao terminar esparramou a sua boca em meu abdome e logo em seguida arrancou a minha camisa juntamente com as minhas calças. O que me fascinou mais ainda.

Revidei ao seu domínio, e finalmente consegui sentir o calor de sua pele ao contraí-la sobre o meu corpo. Com uma mão navegava em suas curvas delicadas e com a outra acariciava o seu pescoço com movimentos que subiam até a nuca e voltavam. Ao despi-la, arrancando do seu corpo peça a peça, deitei-a sobre a cama e a minha língua passou a ser o seu cobertor. Senti que de suas narinas saia uma respiração gelada através de sussurros ofegantes. A cada toque lingual a sua pele ardia, o seu corpo se retorcia, tremia e arrepiava e eu vibrando de vontade de fazê-la minha. Mas estava a testar o meu alto controle. Até que por fim, ela me pediu para que eu a fizesse minha. E logo os nossos corpos estavam misturados, me fazendo provar pela primeira vez o verdadeiro sabor do amor que estava sendo servido em grandes doses de prazer.

Como não tínhamos tanto o que conversar, e eu sempre fui ruim de papo, os nossos corpos se conversavam, falavam por nós e após tanto dialogo acabaram por adormecer, e quando os primeiros raios do dia começaram a despertar, também despertei, passei a mão na cama e o outro lado do travesseiro estava vazio. Olhei para o teto e de fato apenas a minha presença se vazia visível na cama. Onde ela estar? Me questionei! Levantei-me com a esperança de que ela estivesse no banheiro. Lá também não estava! Após algum tempo procurando seus vestígios, encontro sobre o criado mudo em baixo da garrafa de vodca, ainda, um pouco menos de meia, um pedaço de papel onde estava escrito em letras garrafais o valor da conta incluindo seu cachê e as outras despesas, e no finalzinho do pedaço de papel um número de telefone com o seguinte recado: se quando voltar aqui não me encontrar, favor ligar para esse número. Contatei a recepção, o valor cobrado era o mesmo que estava escrito no pedaço de papel, paguei a conta, tomei um banho, me vesti e voltei para casa.

Mas fiquei sem entender, o porquê que ela saiu antes de me, essa é uma dúvida que me atormenta até hoje. Por que já voltei lá várias noites e nenhuma pista, ninguém sabe o seu paradeiro. E tudo isso fez com que eu me lembrasse novamente, que aquele ambiente não tinha importância: o lugar, as pessoas, as coisas e até mesmo a minha presença. Por que ela não está lá!

Não sei nem por que estou falando nisso, já foram embora tantas estações! Apesar de tudo estar tão vivo em minha cabeça e no meu coração, hoje esse momento é apenas um reflexo da minha memória, que mesmo já cansada se lança em devaneios.

Devaneios que se aviventam e acabam se desenganando a cada nova ligação.

“O número chamado encontrasse desligado ou fora da área de cobertura. Por favor tente novamente mais tarde”.