Encontros de Inverno

Ela se olhou no espelho, bocejando ainda,
Pois o dia chuvoso a convidava a ficar na cama.
O barulho da chuva sobre o telhado não animava nem um pouco a sair de casa,
Porém não tinha alternativa, pois seu trabalho a esperava com chuva ou sol.
Foi para o banho e teve dificuldade em sair do chuveiro,
Pois a água quente sobre o seu corpo aquecia e relaxava.
Saiu com frio, e abrindo a porta do armário, escolheu uma roupa quente para encarar aquele dia chuvoso.
Mesmo no frio de um tenebroso inverno, ela gostava de estar bonita e, claro que o inverno colaborava muito, pois além de seus elegantes traços, trazia consigo um bom gosto extraordinário nas vestes.
Naquela manhã, optou por um vestido de lã cinza, com um elegante casaco vermelho, que contrastava com sua pele branca e seus lindos cabelos negros e curtos.
Com uma maquiagem leve, porém apropriada para destacar ainda mais sua beleza, Laura deu uma última olhada no espelho e sorriu com tom de aprovação para sí mesma.
Laura era escritora e tinha uma pequena editora que herdara de seu pai, que muito a ensinou.
Adorava seu trabalho, e se deliciava com afinco, pois além de escrever, também adorava dar oportunidades a escritores talentosos que a procuravam.
Não era incomum que poetas e galanteadores se aproximassem querendo uma chance, para publicação de seus textos, afinal apesar de pequena, a editora era muito conhecida no meio literário e também muito respeitada, pois já contava com mais de cinquenta anos e a tudo tinha sobrevivido.
Laura, além de linda mulher com seus trinta e três anos, era também muito inteligente e simpática, porém bastante reservada em sua vida.
Não tinha namorado, e o último que teve, mandou passear, pois era extremamente controlador, e ela extremamente livre e independente.
Laura saiu de seu apartamento onde morava sozinha, e logo estava parada em um farol com uma chuva torrencial caindo sobre o para brisa de seu carro.
Com uma neblina que nada se enxergava, se arrependeu de não ter ficado embaixo das cobertas,
Mas, agora era tarde, porém continuar parada ali, sem ir a lugar algum, definitivamente não fazia o menor sentido.
Foi quando percebeu que estava em frente ao seu café favorito. Resolveu entrar e ficar por ali mesmo, dando uma olhada no seu note book, revisando alguns textos, enquanto se deliciava com um bom café da manhã.
Enquanto levava uma xícara de café à boca olhou pela janela e viu um homem completamente encharcado, tentando atravessar no meio dos carros com seus faróis ligados.
De repente, uma batida, um estalo e ela ali paralisada, foi quase um choque !!
O homem na rua caído, era como se fosse invisível aos olhos humanos, pois nem mesmo o motorista que o tinha atropelado, parou para socorrer.
Ela, indignada não pensou na chuva e em mais nada...saiu destemperada, pronta a ajudar aquele homem deitado sob o asfalto.
Chegou perto e estendeu a mão para aquele desconhecido encharcado, que apesar da chuva e da situação retribuiu com um lindo sorriso.
Ela o arrastou literalmente por entre os carros, que pareciam não terem se dado conta do ocorrido, e o levou para dentro do café.
Chegando, logo apresentou sua mesa àquele homem, e ele gentilmente agradeceu e pediu que esperasse, pois iria até o banheiro se recompor e tentar se secar um pouco.
Nesse intervalo, Laura pediu mais algumas guloseimas para seu convidado, e ficou ali, o aguardando.
O nome dele era Marcelo, e logo sentou ao seu lado. Sorriso fácil e de poucas palavras, aceitou de bom grado o café quente e o pão que lhe foi oferecido.
Agradeceu à moça por tê-lo ajudado naquela situação, e disse que não entendeu o que houve, como havia sido atropelado, mas não tinha sequer um arranhão.
Ficaram ali, a compartilhar aquela mesa com conversas que giravam em torno do ocorrido, mas o sorriso dele era algo cativante, encantador, mesmo sem ele pronunciar uma só palavra, conseguia sorrir daquele jeito...
A chuva deu uma trégua, e depois de mais agradecimentos despediram-se, mas não...
Ela ficou com aquele sorriso no pensamento.
O inverno daquele ano foi duro, com temperaturas muito baixas e chuvas bem espessas.
Quase sem perceber, Laura passou a frequentar o café todos os dias e no seu íntimo sabia que queria encontrar novamente aquele sorriso.
Até que, dias depois, concentrada nas mensagens do seu celular, se surpreendeu com uma voz perguntando: Posso lhe fazer companhia ??
Quando levantou os olhos...lá estava aquele sorriso !!
E foi assim por todo o inverno. Tornaram-se os amigos do café !!
Porém, Laura agora dormia ansiosa para que chegasse logo o dia seguinte, para tornar a vê-lo, já que era um homem misterioso, que nunca a convidara a ir a qualquer outro lugar que não fosse ali.
Ela estranhava, pois ele era diferente dos homens que conhecia... seria casado, pensou?
Um certo dia, não aguentando mais e percebendo que estava completamente envolvida, perguntou a ele, e como resposta um sorriso mais lindo ainda, lhe respondeu que não !!
Aquele foi o melhor dos dias !!
Como era uma mulher bem discreta, não queria se declarar, pois preferia deixar que as coisas acontecessem naturalmente, já que ele também demonstrava bastante interesse por ela.
Enfim, chegou o dia em que ele a convidou para sair, para irem a um parque no domingo.
Ela se pôs ainda mais linda, naquele domingo de inverno, e foi encontrar seu sorriso misterioso.
Chegando ao parque, Marcelo já a esperava, também todo elegante e bem trajado.
A partir dali nasceu um romance, um relacionamento, porém diferente de todos os outros que já tivera, pois encontravam-se apenas no café e vez ou outra em algum parque muito bonito.
Laura se apaixonou, e seu coração só pensava no próximo encontro... e já nem ligava mais se era misterioso ou não. Queria apenas viver esse amor!
O inverno passou e deu lugar à primavera, estação da qual ela gostava muito, porém logo no primeiro dia de primavera, Marcelo não apareceu à cafeteria como de costume.
E foi assim por vários dias...
Ela ficou preocupada, porém se deu conta de que nada sabia sobre ele...sequer como procura-lo, um telefone, nada...
Ficou tão absorta em viver esse amor, que não se ateve a esses detalhes, e lembrou que ele também não sabia nada sobre ela. Apenas que frequentavam a cafeteria.
Passou a ir à cafeteria várias vezes ao dia, para tentar encontra-lo, mas nada ...
Laura foi ficando triste, e seu lindo sorriso só queria sorrir para aquele outro encantador sorriso que lhe faltava agora.
E foi assim, em um desses dias em que estava na cafeteria a espera de seu amado, que meio que automaticamente pegou uma revista velha para folhear, enquanto aguardava seu café.
Quase caiu para trás com uma foto estampada em uma matéria onde falava da morte de um jovem empresário, vítima de um atropelamento ali mesmo, tal qual ela o encontrou quando o conheceu !!
Porém a revista era antiga e o atropelamento já havia mais de dois anos...
Era ele...ali...o sorriso...o olhar...
Mal podia acreditar no que lia...como assim? Quem era aquele homem?
Um fantasma? Ela estava ficando louca talvez...
E saiu feito louca por entre os carros, a fim de buscar seu próprio carro, estacionado do outro lado da rua.
Não deu tempo...um estalo...uma batida...
Dessa vez era ela quem estava no chão...
Era ele quem lhe estendia os braços com aquele enorme sorriso...
Partiram...felizes !!

Helô Silva
Helomidade
Enviado por Helomidade em 02/10/2019
Reeditado em 16/10/2019
Código do texto: T6759489
Classificação de conteúdo: seguro
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