O amigo invisível

Meu amigo invisível é príncipe dos poetas, e eu preciso dizer que o amo. Não que eu nunca tenha dito. Já disse. Mas agora é diferente. Eu preciso dizer que o amo.

É estranho o sentimento de amar, é estranho que eu me sinta dessa forma, é estranho amar um amigo. Não deveria. É o que digo para as flores de medo que brotam e brotam sem parar no asfalto de meu coração. Hoje sou um jardim patético de medo. E para mim, digo: seja racional! Por que não amar um amigo? Se não amar a um amigo, a quem amar então?

Meu amigo invisível é príncipe dos poetas. Seus versos são crus como veias abertas e eu não sei nada sobre ele. Faz arte como quem respira. Faz arte como quem realmente enxerga. Escreve, atua, canta e dança como ninguém mais. E como dança. Outro dia dançamos juntos, ele me conduziu, como sempre. Em nossa cadência particular, tudo parecia infinitamente diverso e, apesar de tudo, eu sentia seu corpo tão perto que nossas almas se tocariam se alguma alma nós tivéssemos. Seu abraço tímido de pecador, a delicadeza do toque ao me segurar, como se tivesse medo de me querer. Sua barba quente, tão quente que eu queria mergulhar nela. Enquanto dançávamos (ele me conduzia) eu rasguei o mar pela primeira vez.

Invejo-o, percebo. E por que não o invejaria eu? Tem tudo que eu sequer sonharia querer um dia. É tudo que eu (absolutamente) quero. Tem o meu amor. Grande. Grande e tosco que sou.

Mais do que sonharia querer um dia.

Como posso amá-lo e odiá-lo ao mesmo tempo? É meu amigo! Não. Amo-o. E preciso dizê-lo: “Amo-te e não te odeio”. Amo-o apenas.

Meu amigo respira com uma suavidade singular, me enche de medo como se expressa até mesmo ao respirar. Mas não o diria calado. Seu silêncio é apenas para valorizar o som de sua voz muito feminina. Quando fala, acaricia meus ouvidos com palavras de amizade. Quando escuta, também.

Quando cala, presto atenção em minha voz de solitário cego. Minha voz não é como a dele. Jamais poderia ser. Minha fala é um coração pulsando em agonia. Atiro-lhe palavras mal articuladas para expressar reflexões inconclusas que eu e ele desconhecemos. Que desconforto deve ser falar comigo, dialogar com minhas palavras distantes demais para serem apanhadas. Mas ele faz parecer que não. Que será que pensa quando me vê com seus olhos? Enxergaria, talvez, o sentimento de amor que lhe dedico? Amor desencapuzado?

Todos os dias eu o aguardava com paciência após o fim das aulas, para que fôssemos juntos caminhar. O destino não importava realmente. A princípio, eu andava acompanhado de muitas e muitas pessoas e isso era bom. Com o tempo, quis cada vez mais a companhia de meu amigo. A amizade e a predileção aumentavam ao passo. Caminhávamos juntos (ele me conduzia) em nossa cadência particular, o mundo era meu, e eu recebia suas palavras e seus silêncios com atenção esfomeada.

Quando me contou seu primeiro segredo foi como se eu fosse transportado para um universo imaginário de palavras que se desvelava perante mim. Correspondi sua abertura. Depois do primeiro segredo, não existe mais retorno, e eu não queria retornar. Penetrar em seu mundo foi como abrir um livro e ler. Que sensação inesquecível, eu soube que não iria querer regressar jamais. Encontrei um lugar que não fosse só meu, e aí reside o consolo de existir, seja qual for sua condição. Em dividir morada.

Por que me sinto inseguro para falar com ele? Não é aquele homem meu amigo? O problema não é ele, sou eu. Como não poderia deixar de ser. Já lhe disse tudo sobre mim. Já lhe disse que o amo. Mas agora é diferente. Eu preciso dizer que o amo. Quero bater em sua porta completamente embriagado e me atirar do alto de um precipício, para que me segure, me recolha, dance comigo. Ou para que veja meu corpo inerte e, talvez, cuspa sobre ele, depois de ter me ouvido bater na porta de sua casa.

Seu silêncio de cadeado me mantém cativo, eu preciso me libertar. Agora. AGORA! Ele me seduziu, com sua voz bonita de artista, deveria gravar um CD só para mim. Não me surpreenderia. Tudo que quer é que eu me atire irresponsavelmente do precipício. E caia sobre ele.

O amor é um sentimento estranho, e eu tenho medo de amar, por isso não viajo em paz. Enquanto corria pela estrada muito avermelhada de terra, meu coração ridiculamente caiu do meu peito e permaneceu à deriva. Solto, perdido entre um jardim de flores de medo, torcendo, rezando (!) para ser encontrado, mas não consigo farejá-lo, é impossível, medo é só o que consigo sentir, medo me preenche.

Medo é o que sou. Sim, percebo agora. Me lembro. Lembro da voz de lei, era a voz de meu pai, que me impedia de viver livremente, por medo de sentir. O mundo é muito perigoso para alguém como eu, todo medo. Meu desejo desidratou e a vida se tornou tão insuportavelmente sombria. Quando alguém (não lembro quem) me explicou o que era dia, eu não conseguia imaginar porque não queria. E continuo sem querer. Acho que meu desejo, mirrado desejo de homem jovem, tem preguiça de resistir, preferindo se atirar do primeiro precipício.

Não sei mais o que quero, e isso é a morte da alma. Existem muitas formas de não enxergar, sendo esta a pior. Mas agora sei. Minha alma ressuscita. Quero ele. Quero amá-lo. Estragarei nossa amizade? É a primeira vez que me faço essa pergunta. Estragarei a vida de meu amigo invisível? Eu não sei com precisão o que represento para ele. Ou finjo não saber. Ele me disse, é claro. Como eu disse para ele. Mas quero saber a verdade. O que ele deseja em seu coração. Desejo intensamente que aquele homem me deseje também. Desejo que sei impossível. Mas minto para mim assim mesmo, não fará mal algum.

É, eu realmente preciso dizer que o amo. Um pouco mais de paciência.

O que faz alguém amar outra pessoa dessa forma? Como eu fui capaz de me apaixonar por esse homem, que é meu amigo e que há meses só se entregou a mim com desinteressada amizade? Encontrei nele um mundo interno muito parecido com o meu. O amor nasce da tristeza e da solidão, às vezes nasce da loucura, e sua tristeza, solidão e loucura parecem muito com a minha, tanto que fazem eco. Ele é um poeta, o melhor de todos. Seus versos são sua própria carne, nua, delicada e fria ao toque, que eu devoro como um animal. Por isso, seu mundo interno é de poeta, triste, solitário e louco. Eu amei naquele homem aquilo que eu mesmo sou, ou gostaria de ser, já que não somos mais o mesmo.

Mas já não consigo ouvir mais os meus pensamentos, escuto mochilas e bolsas dos mais variados tamanhos rangendo retiradas do repouso, como eu. A porta está aberta, ouço as vozes das pessoas no corredor. Ouço risadas, tão altas, tão altas. A professora continua com tom monocórdio, outras vozes intercalando seu ávido monólogo:

– Beatriz Sales?

– Presente.

– Célia Paiva de Sousa?

– Presente.

– Cristiano de Paula Soares?

– Aqui!

– Félix Borges Martins?

– Faltou.