A cor dos locais

Quando mais nova, costumava andar pelos bairros da zona norte do Rio de Janeiro. Eu desaparecia entre as ruas curtas e longas. Eu desaparecia entre os prédios, as casas de posse, as casas de propriedade, entre os sons ensurdecedores, entre locais calmos.

Eu costumava perceber algo entre os limites dos grandes bairros da zona norte carioca. Eu percebia intuitivamente, ou de forma imaginária, as cores. Costumava andar nas ruas cinzas de São João de Meriti, e quando eu transecionava para a Pavuna, o ambiente me parecia um alaranjado um tanto vibrante.

A medida em que eu ia atravessando os bairros, as ruas, as cores iam modificando a sua tonalidade. Me pergunto quando o mundo deixou de ser colorido. Quando as falas começaram a se estruturar no raso, e os sentimentos acautelados em um quarto esquecido. Eu daqui nada sei.

O balaustrado.

Tomo o meu café com cacau. Estendo o meu corpo parcialmente sobre o sofá. Nïn se alonga sobre as minhas pernas. Me parece que hoje será um dia morno. Daqui consigo a varanda. De cabeça baixa o balaustrado interrompe a sequência da paisagem. Santa Teresa não acordou completamente nessa manhã de sábado. Há rumores de encontros clandestinos nas Paineiras, e no casarão do Itamaraty, na Rua Boa Vista. Em todo o bairro se espalham pequenas informações sobre as instalações de unidade de segurança. Mas, como posso me sentir segura diante de tanta insegurança praticada pelo estado? E a incerteza política do meu país? Penso em como sou privilegiada, em como posso incluir outras mulheres dentro do meu privilégio, no que fazer da minha vida...

Nïn me acompanha até a varanda. Jucí esta lá, armando a sua mesa. - temos que aproveitar que não está chovendo... Olha essa visão! - estendia as mãos, está extasiada. Me sento. Nïn está mais carente nos últimos dias. Jucí a repreende. Olho para ela com olhos de admiração, de amor, de desejo. Ela sorri quase que se escondendo dentro da vermelhidão do seu rosto envergonhado. Apoio meus pés no balaustrado da varanda. Parece que será um dia feliz.

Yuri Santos
Enviado por Yuri Santos em 06/09/2019
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