História de amor e magia
HISTÓRIA DE AMOR E MAGIA
Miguel Carqueija
Ao resolver contar a minha história ão posso evitar uma sensação de incredulidade, de ilusão, como se tudo aquilo que a minha memória me traz não houvesse acontecido realmente; no entanto sei que não foi um sonho; a minha vida, porém, enredou-se de tal maneira no mundo da ilusão que já se torna difícil separar esta da realidade.
Talvez seja melhor começar me apresentando. Sou Eleonora Ramos Xavier, Lena para os íntimos, que não fez faculdade mas se julga esperta e estudiosa, modéstia à parte, sempre amei ler e aprender. Loura, alta, forte, sou tida como linda mas, alto lá! Mamãe e papai cedo me ensinaram que a verdadeira beleza é a interior, e agradeço a Deus por ter recebido mãe e pai tão sábios, que me ensinaram a ser educada, trabalhadora e doce — e me esforço para prosseguir sempre nesse caminho.
Como quer que seja quando começa essa história eu tinha 21 anos e já trabalhava, mas interrompera os estudos com o segundo grau completo. Não quero dar detalhes geográficos e cronológicos porque como já dei a entender a minha vida se passa no mundo da fantasia, OK?
Um belo dia minha irmã Isabelle, de 19 anos, chamou-me para ir com ela num teatro onde seria apresentado um número de magia. Até aquela data eu não tinha nenhum interesse especial em prestidigitação mas também apreciava ver na televisão; ao vivo mesmo nunca tinha visto. A mana, porém, afirmou-me que aquele mágico era conhecido e apreciado e que operava coisas incríveis.
Então eu fui, aliás bem animada, gostava de fazer coisas diferentes. Fomos de jeans, bastante esportivas como garotas modernas que éramos. E, por acaso, acabamos ficando nas cadeiras da frente.
Quando Rufus, o mágico, entrou, chamado pela mestre de cerimônia, não pude deixar de sussurrar para minha irmã: “Você não me avisou que ele era tão bonito!”
— Ah, esqueci — respondeu ela, rindo.
Ele era moreno e elegante, usava um fraque negro, apesar do calor que fazia, pois havia um ar condicionado, mas deficiente. Ao chegar bem diante da plateia deu-me a impressão de ter olhado bem para mim e para Isabelle; e eu o olhei também mas logo ele desviou o olhar.
Ele trocou beijos com a apresentadora e eu me senti lamentar que não fosse comigo, e ela indagou:
— E aí, Rufus? Pronto para nos brindar com o seu show de maravilhas?
— É claro, você sabe que eu só trabalho bem quando tem garotas bonitas como você olhando.
—Sempre galanteador, hein!
Alguns auxiliares trouxeram então equipamentos, notadamente uma mesa e uma espécie de armário. Rufus chamou a Meire (a apresentadora) que conversava com ele de microfone na mão. E foi assim, na conversa, como quem não quer nada, que Rufus executou vários truques prosaicos com fitas, pombas e um coelho. Hoje em dia a gente tem uma ideia vaga de como tais truques se fazem, até porque muita coisa é contada em livros e vídeos, mesmo antes que surgisse o Mister M.
Foi aí que a coisa começou realmente.
Rufus — e, e bom que se adiante, isso era apenas nome artístico — sempre como quem não quer nada, observou para a Meire:
— Sabe, querida, eu tenho números mais elaborados que esses.
— Sim, eu sei, e você tem que mostrar pelo menos um, querido!
— Só que estamos com uma pequena dificuldade.
— Sim, e qual seria?
— A minha assistente não pôde vir hoje, e eu preciso dela para o número!
— Ora! — e Meire fez uma careta de decepção. — Não me diga que nós vamos perder o melhor número por falta de uma assistente!
— Mas é possível uma solução — respondeu ele, com um sorriso maroto.
— E qual seria? Você consegue fazer sem a assistente?
— Para esse tipo de número é impossível. É o número da “gipsy rope”, tem que haver uma partner.
— Olha, querido, eu me ofereceria se não fosse a apresentadora, adoraria ser a sua partner mas já sei como é a mágica e não posso larga o microfone...
— É muito simples, Meire. Preciso de uma voluntária da plateia.
Essa sugestão provocou um festival de manifestações, gritinhos, braços levantados. Antes mesmo, porém, que eu avaliasse o que estava fazendo, já havia subido no palco, aproveitando estar na primeira ala da plateia. Isabelle, como me contou depois, ficou boquiaberta com a minha atitude, mas eu já me sentia caidinha pelo charmoso ilusionista.
Convém esclarecer que eu não tinha a mínima ideia do que era ou deixava de ser a tal “gipsy rope”. Naquela altura eu só me deteria, creio, se o truque fosse de ser serrada ao meio. Agi por impulso e, claro, o ter subido me pôs na frente das outras — e ele me aceitou!
Perguntou o meu nome. Eu me apresentei e ele me beijou, deixando-me extasiada. Isabelle me acenou e eu falei meio tolamente: — Aquela ali é minha irmã.
— Sua irmã, ótimo. Qual é o nome dela?
— Isabelle.
— Oi, Isabelle. Te mando um beijo, fica torcendo pela tua irmã. As duas são lindas, sabe?
Aí a Isabelle não aguentou e subiu também. O público adorava. Ela então beijou o Rufus e disse:
— Eu só subi para dar força à Lena — mentiu.
Ela então me sussurrou:
— Eu sei o que é esse número, tomara que você não se arrependa!
Ela me beijou e saiu do palco menos intempestivamente pela escadinha lateral. Para subir sem esse atalho havia tirado os sapatos; nem isso eu fizera.
— Você tem que me guiar — falei então ao Rufus. — Não conheço o número.
— Posso dizer a ela como é, Rufus? — indagou a Meire.
— Por que não?
— Lena, você vai ter que ser amarrada.
— Hein?
— Isso mesmo. Não sabe o que é “gipsy rope”? É “corda cigana”. Olha, já estão trazendo tudo.
Realmente, dois ajudantes vinham trazendo uma espécie de cabina portátil de lona, parecia um armário, “estacionaram” a coisa mais para o fundo do palco e a Meire foi buscar lá dentro duas cordas — uma bem pequena e a outra muito mais comprida.
— Está vendo? Você vai ser amarrada com essas cordas aqui. Pode examinar, veja como são fortes.
Elas não eram grossas mas sem dúvida eram fortes. Meira ria, acabei rindo também; olhei para minha irmã, que fazia o mesmo. Então voltei-me para o Rufus:
— Mas... mas veja bem, eu não entendo nada de escapismo!
— Deixe isso com o mágico aqui — disse ele, abrindo largo sorriso.
Entendi que o jeito era rir da situação que era, aliás, o que a plateia estava fazendo, notadamente moças, rapazes e crianças.
Rufus não perdeu tempo. Mandou-me cruzar as mãos nas costas o que, creiam, fiz prazeirosamente, sentindo-me excitada ao ser por ele amarrada. Mas, o que ele faria com a corda maior?
Primeiro pediu-me que mostrasse as costas ao público, para que vissem como as minhas mãos estavam bem atadas. E estavam: sozinha eu não saberia me livrar e não imaginava como isto seria feito.
E era, fui percebendo, um truque bem elaborado. O que ele fez em seguida foi chamar Isa ao palco, o que ela fez, desta vez dirigindo-se à escada. Nos segundos em que isso levou aproveitei para olhar Rufus (Qual seria o nome dele? Aquilo, eu bem sabia, era nome artístico!) bem nos olhos, eram olhos azuis e tão intensos que eu me senti quase levitando. Aliás, se ele quisesse naquela hora fazer um espetáculo de levitação, eu me sentia inteiramente preparada...
— Venha ver, Isa — disse ele (e olha só, já chamava minha irmã pelo diminutivo) — verifique se a sua mana está presa de verdade.
— OK. Ops, Lena, ele te prendeu mesmo!
— Você que me arranjou isso... — falei rindo.
— Eu só te convidei. Quem subiu no palco foi você, agora aguenta, não é, Rufus?
— Mas ela não vai sofrer muito — observou o mágico. — Vamos ao resto.
A Meire veio com a corda grande e o microfone.
— Como se sente, Lena? — perguntou.
— Sinto-me amarrada — foi minha resposta estupidamente óbvia.
— Vai piorar — e Meire também ria o tempo todo. Isa deixou-se ficar no palco, rodeando a cena.
Meire perguntou a Rufus se ele precisava de ajuda.
— Você pode fazer de um lado o que eu faço do outro— respondeu o mago, enigmaticamente. — Mas primeiro vou tratar do pescoço.
Isso me preocupou um pouco, pois ele fez um laço no meio da corda e envolveu meu pescoço. Mas era só para dar suporte à corda nas duas metades. Meire pediu a Isa que segurasse o microfone da entrevista (pois o dela era fixo junto ao rosto) e pegou uma ponta da corda à minha esquerda, Rufus ficou à minha direita e trataram então da complicada operação de me enrolar toda.
Sabem como eu fiquei? Um lado da corda enlaçou duas vezes meu braço, o outro lado fez o mesmo com o outro braço. Depois Rufus deu um nó na minha cintura, pela frente, mas sobrou corda bastante para mais duas voltas em torno de mim, até o laço final no alto das pernas. Entendam que, além dessa enrolação toda que me lembra o desenho “Enrolados” eu já estava com uma cordinha amarrando os meus pulsos para trás. Acho que só não me prenderam os tornozelos porque o número era em pé e eu tinha que me mover, mesmo com passos mais curtos.
Rufus então me conduziu ao armário e chamou Jonas, um dos ajudantes, qeu vestia — notem bem — um terno azul-marinho. Eu tive que entrar no armário de lona e Jonas também entrou, ficando à minha esquerda.
A lona foi fechada, isolando-nos da visão do público. Rufus, do lado de fora, fazia algumas presepadas, como “passes” e palavras supostamente mágicas, de vez em quando enfiava a cabeça e dava uma olhadinha, mas só levou um minuto para abrir tudo e nós dois saímos.
E eu continuava toda amarrada, só que com o paletó de Jonas, que agora se encontrava em manga de camisa. O mais espantoso porém é que a corda grande estava por cima do paletó e tão enrolada quanto antes em volta de mim. Coisa incrível!
Mesmo depois de desatar e desenrolar a corda comprida Rufus fingiu que ia me despir o paletó, só para mostrar que ainda não podia — meus pulsos continuavam ligados por trás das costas.
Enfim, depois que ele desatou os meus pulsos, eu mesma tirei o paletó e o devolvi a Jonas.
O número foi o maior sucesso, o público riu e ovacionou. Meire e Isa me abraçaram, eu troquei beijos com Rufus — aliás, Guilherme — e eu nunca mais me separei daqueles olhos azuis tão sedutores! Foi um encontro do destino... tornei-me sua partner e, sem deixar de sê-lo, sua esposa... e minha irmã adorou, ainda mais que ela era, até certo ponto, a responsável!
É isso. Contos de fadas às vezes acontecem, já estou grávida e vamos tirar umas férias por conta disso. Vocês perguntaram alguma coisa? Ah, como é mesmo o truque da corda? A explicação?
Bem, sem o Jonas eu não teria feito nada, é claro, pois ele já conhecia o truque. E não me perguntem mais nada. Só contei à Isa sob juramento! Afinal, esses nossos truques são segredo profissional...
Rio de Janeiro, 20 de abril a 28 de junho de 2019.
imagem youtube
Aqui, uma apresentação de "gipsy rope"
https://www.youtube.com/watch?v=in6VXqL81Eg
HISTÓRIA DE AMOR E MAGIA
Miguel Carqueija
Ao resolver contar a minha história ão posso evitar uma sensação de incredulidade, de ilusão, como se tudo aquilo que a minha memória me traz não houvesse acontecido realmente; no entanto sei que não foi um sonho; a minha vida, porém, enredou-se de tal maneira no mundo da ilusão que já se torna difícil separar esta da realidade.
Talvez seja melhor começar me apresentando. Sou Eleonora Ramos Xavier, Lena para os íntimos, que não fez faculdade mas se julga esperta e estudiosa, modéstia à parte, sempre amei ler e aprender. Loura, alta, forte, sou tida como linda mas, alto lá! Mamãe e papai cedo me ensinaram que a verdadeira beleza é a interior, e agradeço a Deus por ter recebido mãe e pai tão sábios, que me ensinaram a ser educada, trabalhadora e doce — e me esforço para prosseguir sempre nesse caminho.
Como quer que seja quando começa essa história eu tinha 21 anos e já trabalhava, mas interrompera os estudos com o segundo grau completo. Não quero dar detalhes geográficos e cronológicos porque como já dei a entender a minha vida se passa no mundo da fantasia, OK?
Um belo dia minha irmã Isabelle, de 19 anos, chamou-me para ir com ela num teatro onde seria apresentado um número de magia. Até aquela data eu não tinha nenhum interesse especial em prestidigitação mas também apreciava ver na televisão; ao vivo mesmo nunca tinha visto. A mana, porém, afirmou-me que aquele mágico era conhecido e apreciado e que operava coisas incríveis.
Então eu fui, aliás bem animada, gostava de fazer coisas diferentes. Fomos de jeans, bastante esportivas como garotas modernas que éramos. E, por acaso, acabamos ficando nas cadeiras da frente.
Quando Rufus, o mágico, entrou, chamado pela mestre de cerimônia, não pude deixar de sussurrar para minha irmã: “Você não me avisou que ele era tão bonito!”
— Ah, esqueci — respondeu ela, rindo.
Ele era moreno e elegante, usava um fraque negro, apesar do calor que fazia, pois havia um ar condicionado, mas deficiente. Ao chegar bem diante da plateia deu-me a impressão de ter olhado bem para mim e para Isabelle; e eu o olhei também mas logo ele desviou o olhar.
Ele trocou beijos com a apresentadora e eu me senti lamentar que não fosse comigo, e ela indagou:
— E aí, Rufus? Pronto para nos brindar com o seu show de maravilhas?
— É claro, você sabe que eu só trabalho bem quando tem garotas bonitas como você olhando.
—Sempre galanteador, hein!
Alguns auxiliares trouxeram então equipamentos, notadamente uma mesa e uma espécie de armário. Rufus chamou a Meire (a apresentadora) que conversava com ele de microfone na mão. E foi assim, na conversa, como quem não quer nada, que Rufus executou vários truques prosaicos com fitas, pombas e um coelho. Hoje em dia a gente tem uma ideia vaga de como tais truques se fazem, até porque muita coisa é contada em livros e vídeos, mesmo antes que surgisse o Mister M.
Foi aí que a coisa começou realmente.
Rufus — e, e bom que se adiante, isso era apenas nome artístico — sempre como quem não quer nada, observou para a Meire:
— Sabe, querida, eu tenho números mais elaborados que esses.
— Sim, eu sei, e você tem que mostrar pelo menos um, querido!
— Só que estamos com uma pequena dificuldade.
— Sim, e qual seria?
— A minha assistente não pôde vir hoje, e eu preciso dela para o número!
— Ora! — e Meire fez uma careta de decepção. — Não me diga que nós vamos perder o melhor número por falta de uma assistente!
— Mas é possível uma solução — respondeu ele, com um sorriso maroto.
— E qual seria? Você consegue fazer sem a assistente?
— Para esse tipo de número é impossível. É o número da “gipsy rope”, tem que haver uma partner.
— Olha, querido, eu me ofereceria se não fosse a apresentadora, adoraria ser a sua partner mas já sei como é a mágica e não posso larga o microfone...
— É muito simples, Meire. Preciso de uma voluntária da plateia.
Essa sugestão provocou um festival de manifestações, gritinhos, braços levantados. Antes mesmo, porém, que eu avaliasse o que estava fazendo, já havia subido no palco, aproveitando estar na primeira ala da plateia. Isabelle, como me contou depois, ficou boquiaberta com a minha atitude, mas eu já me sentia caidinha pelo charmoso ilusionista.
Convém esclarecer que eu não tinha a mínima ideia do que era ou deixava de ser a tal “gipsy rope”. Naquela altura eu só me deteria, creio, se o truque fosse de ser serrada ao meio. Agi por impulso e, claro, o ter subido me pôs na frente das outras — e ele me aceitou!
Perguntou o meu nome. Eu me apresentei e ele me beijou, deixando-me extasiada. Isabelle me acenou e eu falei meio tolamente: — Aquela ali é minha irmã.
— Sua irmã, ótimo. Qual é o nome dela?
— Isabelle.
— Oi, Isabelle. Te mando um beijo, fica torcendo pela tua irmã. As duas são lindas, sabe?
Aí a Isabelle não aguentou e subiu também. O público adorava. Ela então beijou o Rufus e disse:
— Eu só subi para dar força à Lena — mentiu.
Ela então me sussurrou:
— Eu sei o que é esse número, tomara que você não se arrependa!
Ela me beijou e saiu do palco menos intempestivamente pela escadinha lateral. Para subir sem esse atalho havia tirado os sapatos; nem isso eu fizera.
— Você tem que me guiar — falei então ao Rufus. — Não conheço o número.
— Posso dizer a ela como é, Rufus? — indagou a Meire.
— Por que não?
— Lena, você vai ter que ser amarrada.
— Hein?
— Isso mesmo. Não sabe o que é “gipsy rope”? É “corda cigana”. Olha, já estão trazendo tudo.
Realmente, dois ajudantes vinham trazendo uma espécie de cabina portátil de lona, parecia um armário, “estacionaram” a coisa mais para o fundo do palco e a Meire foi buscar lá dentro duas cordas — uma bem pequena e a outra muito mais comprida.
— Está vendo? Você vai ser amarrada com essas cordas aqui. Pode examinar, veja como são fortes.
Elas não eram grossas mas sem dúvida eram fortes. Meira ria, acabei rindo também; olhei para minha irmã, que fazia o mesmo. Então voltei-me para o Rufus:
— Mas... mas veja bem, eu não entendo nada de escapismo!
— Deixe isso com o mágico aqui — disse ele, abrindo largo sorriso.
Entendi que o jeito era rir da situação que era, aliás, o que a plateia estava fazendo, notadamente moças, rapazes e crianças.
Rufus não perdeu tempo. Mandou-me cruzar as mãos nas costas o que, creiam, fiz prazeirosamente, sentindo-me excitada ao ser por ele amarrada. Mas, o que ele faria com a corda maior?
Primeiro pediu-me que mostrasse as costas ao público, para que vissem como as minhas mãos estavam bem atadas. E estavam: sozinha eu não saberia me livrar e não imaginava como isto seria feito.
E era, fui percebendo, um truque bem elaborado. O que ele fez em seguida foi chamar Isa ao palco, o que ela fez, desta vez dirigindo-se à escada. Nos segundos em que isso levou aproveitei para olhar Rufus (Qual seria o nome dele? Aquilo, eu bem sabia, era nome artístico!) bem nos olhos, eram olhos azuis e tão intensos que eu me senti quase levitando. Aliás, se ele quisesse naquela hora fazer um espetáculo de levitação, eu me sentia inteiramente preparada...
— Venha ver, Isa — disse ele (e olha só, já chamava minha irmã pelo diminutivo) — verifique se a sua mana está presa de verdade.
— OK. Ops, Lena, ele te prendeu mesmo!
— Você que me arranjou isso... — falei rindo.
— Eu só te convidei. Quem subiu no palco foi você, agora aguenta, não é, Rufus?
— Mas ela não vai sofrer muito — observou o mágico. — Vamos ao resto.
A Meire veio com a corda grande e o microfone.
— Como se sente, Lena? — perguntou.
— Sinto-me amarrada — foi minha resposta estupidamente óbvia.
— Vai piorar — e Meire também ria o tempo todo. Isa deixou-se ficar no palco, rodeando a cena.
Meire perguntou a Rufus se ele precisava de ajuda.
— Você pode fazer de um lado o que eu faço do outro— respondeu o mago, enigmaticamente. — Mas primeiro vou tratar do pescoço.
Isso me preocupou um pouco, pois ele fez um laço no meio da corda e envolveu meu pescoço. Mas era só para dar suporte à corda nas duas metades. Meire pediu a Isa que segurasse o microfone da entrevista (pois o dela era fixo junto ao rosto) e pegou uma ponta da corda à minha esquerda, Rufus ficou à minha direita e trataram então da complicada operação de me enrolar toda.
Sabem como eu fiquei? Um lado da corda enlaçou duas vezes meu braço, o outro lado fez o mesmo com o outro braço. Depois Rufus deu um nó na minha cintura, pela frente, mas sobrou corda bastante para mais duas voltas em torno de mim, até o laço final no alto das pernas. Entendam que, além dessa enrolação toda que me lembra o desenho “Enrolados” eu já estava com uma cordinha amarrando os meus pulsos para trás. Acho que só não me prenderam os tornozelos porque o número era em pé e eu tinha que me mover, mesmo com passos mais curtos.
Rufus então me conduziu ao armário e chamou Jonas, um dos ajudantes, qeu vestia — notem bem — um terno azul-marinho. Eu tive que entrar no armário de lona e Jonas também entrou, ficando à minha esquerda.
A lona foi fechada, isolando-nos da visão do público. Rufus, do lado de fora, fazia algumas presepadas, como “passes” e palavras supostamente mágicas, de vez em quando enfiava a cabeça e dava uma olhadinha, mas só levou um minuto para abrir tudo e nós dois saímos.
E eu continuava toda amarrada, só que com o paletó de Jonas, que agora se encontrava em manga de camisa. O mais espantoso porém é que a corda grande estava por cima do paletó e tão enrolada quanto antes em volta de mim. Coisa incrível!
Mesmo depois de desatar e desenrolar a corda comprida Rufus fingiu que ia me despir o paletó, só para mostrar que ainda não podia — meus pulsos continuavam ligados por trás das costas.
Enfim, depois que ele desatou os meus pulsos, eu mesma tirei o paletó e o devolvi a Jonas.
O número foi o maior sucesso, o público riu e ovacionou. Meire e Isa me abraçaram, eu troquei beijos com Rufus — aliás, Guilherme — e eu nunca mais me separei daqueles olhos azuis tão sedutores! Foi um encontro do destino... tornei-me sua partner e, sem deixar de sê-lo, sua esposa... e minha irmã adorou, ainda mais que ela era, até certo ponto, a responsável!
É isso. Contos de fadas às vezes acontecem, já estou grávida e vamos tirar umas férias por conta disso. Vocês perguntaram alguma coisa? Ah, como é mesmo o truque da corda? A explicação?
Bem, sem o Jonas eu não teria feito nada, é claro, pois ele já conhecia o truque. E não me perguntem mais nada. Só contei à Isa sob juramento! Afinal, esses nossos truques são segredo profissional...
Rio de Janeiro, 20 de abril a 28 de junho de 2019.
imagem youtube
Aqui, uma apresentação de "gipsy rope"
https://www.youtube.com/watch?v=in6VXqL81Eg