Aquela manhã (pt1)
-Moça, o de sempre, por favor.
-Com açúcar hoje, senhorita?
-Meio amargo, de preferência.
Ela sorri e sai. É assim todas as manhãs. As vezes me perguntam porque eu não cozinho, dizem que meu café é bom e minha comida é, como posso dizer... Tem aquele "gostinho de querer comer em casa." Mas em qual outra ocasião eu vou poder sair desarrumada, ainda de pijama e pantufas com a desculpa de "ah, ainda tá cedo, é normal aqui onde eu moro"?
Hoje o jornal está mais uma vez descrevendo a rotina pós intervenção militar, todos esses protestos...
Enquanto eu tava lendo, olho pra mesa ao lado e vejo um casal, esse rapaz... De onde o conheço? Bem que ele poderia ficar de frente pra mim.
-Aqui está seu pedido, e aqui está um presente, ele espera que a senhorita o relembre. Qualquer coisa só chamar.
-Ruth, no máximo moça, ok? Venho aqui há 3 anos. -Ela de novo sorri e sai.
Gosto dela, a gente já deveria ter um certo tipo de intimidade, até porque, pra quem já me viu bêbada e se lamentando, eu não espero menos que uma amizade.
Olho para o bilhete que me enviaram, poucas pessoas sabem que eu gosto desse biscoito salgado, doce não é o meu forte. No fundo eu tava querendo querendo que não fosse... Abro o bilhete.
"Desses aqui é bem mais caro que naquele supermercado."
Misericórdia, é ele. Mais de 10 anos depois e o que ele tá fazendo aqui? Tantos km de distância, como ele sabe onde eu tou? E porque trouxe ela? Pra mostrar que eu tava certa quando disse que ele deveria investir nela? Beleza, investiu, deu certo. Mas o que aconteceu lá, fica lá, isso serve pra pessoas também. Não é a toa que fui pra tão longe, se eu quisesse relembrar, voltaria.
-Nem pra ir me cumprimentar? -O sorriso dele não mudou.
-Meu Deus, eu acabei de receber, desculpa. -Me levanto. Eu tinha que gaguejar? Ficou nítida a minha surpresa. A gente se abraça. Mesmo cheiro.
-E então, cadete, né? Como é lá?
-Pulasse muitas perguntas. E sou Major. -Tento sorrir.
-Quando chegou?
-Agora quem pulou foi você. Deixa eu te apresentar. -Ele a puxou levemente pela cintura.
É sério isso? Ele vai mesmo? Na verdade não posso fingir que ela não tá aqui, e não tenho nada contra, super apoiei, não foi?
-Onde estão os meus modos, não é? Prazer, sou Mary. -Estendo a minha mão, ela mudou bastante, não tá nada parecida com antes, mas só a vi uma vez, e mal olhei pra ela. Minha mão ainda tá no ar, olho pra ela e percebo que ela tá num pé e outro, como se tivesse empolgada.
-Ora, não finja que não me conhece. -E dá um super pulo e me abraça.
-Você tem modos, ela não, nisso não mudou nada. -Ele se afasta pra dar espaço à euforia.
E eu fico parada, eu não acredito que é ela. Meu Deus! Eu vi essa menina ela tinha apenas 7 anos. Que mulherão está agora. E eu a abraço, bem forte. Nisso realmente não mudou nada.
-Meu Deus, Mary! Pelo menos agora tem mais corpo.
-Luísa! Não é assim que se cumprimenta as pessoas. -Ele fala isso como se eu não percebesse que tá tentando conter o riso. E não é mentira, sempre fui muito magra.
-Desculpa não ter falado antes, mudasse demais. Como você tá? O que fez nesses últimos anos?
Luísa é a irmã dele, conheci ainda era muito criança. Não tá nem um pouco parecida com aquela menina, nenhuma semelhança, tá começando a herdar os traços da mãe, que é muito linda. Continua sem parar de falar, e me desculpem, mas não ouvi uma palavra do que ela disse, olhei para o Victor, ainda sem entender, atordoada.
-O que fazem aqui? -Faço um sinal para que sentem.
Ela começa a contar que estão de férias, ainda na faculdade, ele já terminou mas não está trabalhando diretamente com o que cursou, sua mãe está viajando e eles não curtem muito ficar em casa. Nunca curtiram.
-Eu queria conhecer o sudeste porque faz frio nessa época, por coincidência vimos as fotos de como está aqui, e lembramos de você.
(Continua...)