O amor que partiu
Após tantos meses, ele não poderia ficar mais surpreso do que receber uma mensagem dela. Não é que ele não queria que ela o procurasse. Mas havia passado tanto tempo, tantas palavras foram jogadas na cara uma do outro, carregada de uma verdade nua e crua demais. Ele não estava preparado para lidar com o que ainda sentia, principalmente tão cara a cara. Todavia, ele aceitou encontrá-la. Devia isso a ela. Devia isso a si mesmo.
Marcaram no mesmo lugar em que foram ao primeiro encontro. No trajeto, lembrou-se do nervosismo daquela noite. Hesitou várias vezes em ir, assim como fizera hoje. Ela estava tão linda em seu vestido azul. Tinha certeza que ela estaria ainda mais linda hoje. Deveria elogiá-la. Ela sempre reclamava que ele não a elogiava. Mas como poderia, se ao vê-la, ele perdia a fala e palavra alguma traduziria a admiração que ele sentia por ela.
Sentou-se na mesa perto do bar. Pediu um uísque, precisava criar coragem para encontrar o amor da sua vida, que não era mais seu. Aquele fato o dilacerava todos os dias desde a partida dela.
Ela chegou. Linda como sempre. No entanto, desta vez, ele a elogiou. Ela, corando, agradeceu. Ah, ele se lembrava como ela ficava ainda mais linda corando. Se soubesse que elogiá-la fazia-a enrubescer, teria feito isso mais vezes quando estavam juntos.
Sentaram-se. Olharam-se por tempo o suficiente para se constrangerem. Perguntaram como estavam e nenhum deles revelou como realmente estavam. Era mais fácil fingir que estava tudo bem. Ficaram em silêncio. Tanta coisa deveria ser dita, mas mesmo assim, ficaram em silêncio. Um silêncio gritante. Um silêncio culpado.
Ele deveria ter dito o quanto ela foi especial e importante em sua vida. O quanto a amou e ainda amava. O quanto o encontro de vida deles o modificou e mudou sua rota. Mas ele não queria ter que seguir esse novo caminho sozinho. Queria-a ao seu lado nessa caminhada.
Por mais que para ele tenha sempre sido mais fácil amar do que ser amado, com ela era diferente. Ela também o amava. Tinha certeza disso. Mas tudo tem um fim. Contudo, as coisas precisam de um fim apenas para serem eternas nas lembranças. Como ela poderia querer que ele se esquecesse do sorriso dela, as topadas que ela levava direto que resultavam em crises de risos, nos olhos castanhos que perscrutava os mistérios que se escondiam nele, do seu olhar que lhe expressavam tanto amor que ele não sabia se era digno.
O maior medo dele era que ela estivesse apaixonada por aquilo que ela esperava que ele fosse. E esse medo se confirmou naquela breve conversa no bar. Ela sentia falta do eu que ele não era. Ele não se sentia essa pessoa. E nunca seria. Era apenas ele, o cara comum que amava demais.
Ele nunca entendeu o que ela viu nele. E nunca entenderia. Para isso, ele precisava se ver sob os olhos dela. Por que ele? Ele não saberia. Mas não havia mais tempo para descobri a resposta. Ela decidira partir de vez, sem voltar mais. Aquela era a despedida deles. Aquilo o magoou. Todavia, ele entendia. E esperava que ela fosse feliz, que seus sonhos se realizassem. Sabia que ela amaria novamente, pois era uma expressão natural do seu ser.
Por isso, ele lhe disse o que tinha que dizer, pois aquela era a última vez que seus caminhos se cruzariam. Ela a amaria para sempre, de alguma maneira infinita e platônica. Ela seria a mais bela lembrança da vida dele. Uma lembrança que o faria sorrir nos dias tristes, como um aconchego de um lugar feliz. O seu coração seria uma ótima gaveta para guarda os bilhetes de amor que ele escreveu em silêncio para ela e nunca entregou. Seja feliz, ele disse. E continue contaminando as pessoas com o seu olhar de amor, porque para isso não há cura. Ela chorou. Mas foi um choro feliz. Abraçaram-se e despediram-se com um olhar triste e o coração em paz.
O amor... Bom, esse cumpriu seu papel, uniu os dois para serem melhores em seus caminhos diferentes.