Primeiro (último? ) amor 1a pt.
Éramos duas crianças. Eu era um verdadeiro moleque e me sentia melhor correndo com os meninos do que brincando de boneca com as meninas. Nathan era meu companheiro fiel das jogadas de bola, das bolinhas de gude, do pique-pega ou pique-esconde. Nossa amizade era verdadeiramente sincera. Lembro-me que nossa amizade esfriou quando eu tinha oito anos. Fui dama de honra de um casamento e o meu par foi o irmão de Nathan. Só hoje consigo divisar o porquê de ele ter ficado chateado.
Nessa época, Nathan ficou ausente da cidade por uns anos. Quando a família dele retornou, eu já estava com 14 anos. Ele era uns dois, três anos mais velho que eu. Quando me viu, veio imediatamente falar comigo, o que me surpreendeu, visto que nossa amizade não era mais a mesma quando ele partiu. Me deu um sorriso lindo e um abraço apertado. Disse-me que sentiu saudades. Saímos em grupo, o mesmo grupo que costumava brincar na rua até altas horas. Eu a única garota na época, agora tinha uma companhia feminina, Valquíria. Fomos a uma pizzaria e a resenha que rolava eram as brincadeiras, micos, broncas e surras da infância. Estava tudo ótimo, até que um indivíduo chamado Marcelo decidiu perguntar à mim porque eu e Nathan tínhamos brigado na infância.
Eu realmente não lembrava de nenhuma briga. Só lembrava que ele tinha se afastado. Quando respondi à Marcelo, Nathan me olhou longamente, talvez não acreditando em mim. Então Luiz lembrou aos meninos que todos tiravam o sarro da minha cara no dia do casamento, dizendo que eu e o irmão de Nathan estávamos nos casando. Nathan sorriu forçado e puxou outro assunto na mesma hora. Quando íamos embora, ele ficou por último e me chamou. Os demais iam caminhando na frente, a alguns metros de nós.
- Você falou sério que não lembra de a gente ter brigado?
A pergunta de Nathan veio sem propósito.
- Sim, não lembro mesmo. Só lembro que antes éramos muito próximos e depois você se afastou de mim. O que aconteceu?
- Não, nada. Deixa pra lá...
Aquilo me irritava profundamente.
- Fala!
- Não adianta mais, isso já passou.
- Fala logo!
Nathan respirou fundo.
- Teimosa!
- Chato!
Rimos juntos.
- A gente brigou depois do casamento.
- Por que?
- Porque você "se casou" com meu irmão...
As aspas com os dedos me fizeram rir.
- Não entendi... O que isso tinha a ver? Foi só pra entrar com ele!
- Lembra que os meninos ficaram repetindo que vocês estavam se casando?
- Claro que lembro!
- Então, eu fiquei magoado.
- Por que?
- Você pergunta demais!
- Se você contasse as coisas de uma vez, eu não ficaria perguntando!
- Eu queria me casar com você...
Eu não soube o que responder na hora.
- Fiquei chateado e triste porque você "se casou" com o Lucas e não comigo.
- Espera... Mas você não foi chamado pra ser o meu par...
- Você não entendeu...
Nathan meneou a cabeça.
- Então explica!!!
- Eu queria me casar com você de verdade porque eu gostava de você!
- Aaahhh!
Fiquei muda novamente.
- Não vai falar nada?
- O que você quer que eu diga?
- Sei lá! Alguma coisa!
- Eu estou perdida, sem entender nada!
- O que você não entendeu?
- Isso quer dizer que você achou que eu tinha casado de verdade com o Lucas?
- Sim...
- Credo!
Nathan riu.
- Naty, você era muito burro! Como eu ia me casar aos oito anos?
- Eu era uma criança!
- Mas eu também era e sabia que aquilo não era um casamento!
Nathan me olhou em silêncio.
- Desculpe... Eu não sabia disso. Se eu soubesse, tinha falado com você. Senti muita falta da nossa amizade...
- Eu também senti... Mas sufoquei a minha paixão...
- Ah, para! Você era uma criança!
- Estou falando sério! Eu guardei esse sentimento por muito tempo!
- Quanto tempo?
Nathan se calou e baixou o olhar. Meu coração acelerou.
- Naty...
Ele ergueu a cabeça e vi que os olhos dele brilhavam.
- Eu sempre gostei e acho que sempre vou gostar de você...
Passaram-se alguns minutos de completo silêncio. Eu não achava as palavras.
- Mas... Não entendo...
- E depois o burro sou eu! O que você não entende?
Olhei para ele com desdém por insinuar que eu era burra.
- Como você pode gostar de mim?
- Como assim?
- Eu era doida! Aliás, eu sou doida! Eu nunca fui muito menina, muito feminina...
- E porque eu não poderia gostar de você exatamente por ser assim?
Me calei e suspirei. Estava ali sem saber o que pensar, dizer ou fazer. Os nossos colegas finalmente pararam de andar e nós os acompanhamos. Eu ia em silêncio absoluto até chegarmos à nossa rua. Volta e meia olhava Nathan que conversava com os meninos. Valquíria me perguntou o que eu tinha, mas eu meneei a cabeça apenas. Quando todos se despediram, cada um rumou para a sua casa. Nathan ainda olhou para trás e eu sorri para ele, entrando em casa logo depois. Claro que foi difícil dormir naquela noite.
Dois dias depois, Mateus marcou uma "reuniao" na casa dele. Chamou a todos nós e, Como já conhecíamos o teor dessas reuniões, cada um tratou de levar alguma coisa. Depois de muito insistir, meu pai permitiu que eu fosse. Normalmente nos reuníamos para ver filmes, ouvir música, jogar conversa fora. Éramos todos menores, exceto o irmão de Mateus, que ficava responsável por nos fazer andar na linha.
Quando Nathan chegou, me olhou e sorriu. Valquíria então percebeu que algo estava diferente e não me deixou em paz até que eu contei o que ele tinha me dito. Ela riu de mim e perguntou porque eu não aproveitava para perder o BV. Sim, eu nunca tinha beijado ninguém e isso não fazia a menor diferença para mim. Eu acreditava que era algo especial, então queria esperar.
Claro que, para acontecer, precisava de uma oportunidade. Que surgiria logo depois, quando Marcelo propôs que jogássemos verdade ou desafio. Algumas besteiras rolaram, desafios um tanto idiotas (coisas de meninos) e umas verdades absurdas (Como confessar que já experimentou a própria urina). Até então eu estava numa boa, só tinha imitado pole dance num cabo de vassoura. Mas quando a garrafa apontou para Nathan e Luiz, eu gelei.
Nathan pediu desafio e Luiz o desafiou a me beijar. Acho que perdi a cor, porque todos me olharam e Valquiria perguntou se eu estava bem.
- Tudo bem... Se ela aceitar...
Eu disse que não. Na verdade eu gritei que não. Acho que até alto demais. Luiz brincou que eu não precisava ter vergonha. Mas eu realmente não queria dar meu primeiro beijo na frente de todos.
- Se tá com vergonha, então beija escondido...
Foi o maior auê. Marcelo quase voou em Valquiria, dizendo que a graça da brincadeira era todos poderem ver.
- Você quer escondido? - Nathan me perguntou. Eu balancei a cabeça dizendo que sim e ouvi os gritos inundarem a sala.
Daniel, o irmão de Mateus, nos levou até o quintal e brincou que poderíamos levar a noite toda. Senti meu rosto esquentar e tive certeza que estava ficando vermelha.
- Não precisa fazer isso de verdade se não quiser...
Engoli em seco. Ainda não tinha conseguido olhar para ele.
- Não é que eu não queira...
- Então você quer?
- Quero, só que...
Eu tive medo. Imaginei que Nathan já tivesse ficado com outras meninas e lembrei que eu nem sabia beijar.
- A gente pode fazer de conta que aconteceu. Ninguém vai ver mesmo...
Pelo jeito, parecia que ele não estava querendo me beijar. Continuei em silêncio.
- Tudo bem então... A gente demora um pouco e volta para lá.
Nathan colocou as mãos nos bolsos. Cruzei os braços. Estava tão nervosa. Era a minha oportunidade! Eu gostava dele, isso era óbvio. E ele também de mim. Por que eu estava tão indecisa?
- Vamos...
Nathan saiu primeiro e entrou na sala, onde foi recebido por gritos e assobios. Ouvi Marcelo perguntar por mim, querendo saber de eu tinha desmaiado com o mau hálito de Nathan. Fechei os olhos e respirei fundo. Eu ia ser zoada por algo que nem tinha acontecido. Iam rir e comentar e eu nem tinha beijado de verdade.
Entrei na cozinha e passei para a sala. Todos me olharam. Nathan estava de costas.
- Naty...
Ele se virou e eu, sem pensar muito, corri até ele e o beijei. Coloquei meus braços em volta do pescoço dele e senti seus braços me apertando pela cintura. Estávamos tao colados que eu juro que sentia o coração dele batendo. Não escutei mais nada enquanto estava com os lábios colados nos dele. Senti um tremor nas pernas quando nossas línguas se encontraram e, de repente, estouraram os gritos dos nossos amigos de novo. Foi como se eu acordasse.
Me afastei dele rapidamente e levei a mão à boca. Nathan riu. Mexeu os lábios e eu só pude entender um "uau". Fiquei vermelha novamente e voltei para o meu lugar. O resto da noite foi cheia de comentários, risos, olhares penetrantes de Nathan sobre mim e aquele calor vermelho no meu rosto.
Infelizmente para mim, Nathan e a família voltaram para a capital dois dias depois do beijo. Nem tivemos a chance de falar sobre isso. Eu fiquei triste por muitos dias. Naquela época, não tínhamos redes sociais. Nem um celular eu tinha. Sei que os meses se passaram. E eu fui esquecendo a esperança de voltar a vê-lo. Tive meus namoricos, ficantes, minha festa de 15 anos, minha formatura. Me casei, me separei. Doze anos se passaram. E há três meses, ele reapareceu em minha vida.
(Continua)