O Poder do Amor
- Tão cedo e já está de pé meu pai?
- Ora Cecília, tu bens me conhece não é mesmo? Sempre acordei cedo e hoje não seria diferente, ainda mais em um dia tão especial – disse Anísio enquanto tomava café na sala do casarão.
- E o que tem de tão especial no dia de hoje meu pai?
- Aquele advogado, filho de um grande amigo meu, esta vindo da capital hoje. Ele vai tratar exclusivamente das questões das minhas terras.
- Eu não acredito que o senhor ainda insistira nessa história meu pai. O senhor já tem uma imensidão de terras aqui e aos arredores desta fazenda, não precisa daquele pedaço que não lhe fará diferença alguma.
- Você é jovem Cecília, não entende nada de negócios. Tu sabes muito bem que aquelas terras me pertencem por direito, e não vou entregá-las de mãos beijadas àqueles camponeses.
- Mas pai – insistiu Cecília.
- Basta! – esbravejou Anísio.
- Mal o sol saiu e vocês já estão trocando farpas?
- Que bom que já se levantou minha mãe, quem sabe a senhora não consiga fazer meu pai desistir dessa ideia absurda de tomar aquelas terras – disse Cecília saindo furiosa da sala.
- Cecília, volte aqui! Aonde vais?
-A jovem virou as costas sem dar resposta alguma a sua mãe.
Enquanto Anísio debatia os assuntos da fazenda com a esposa na mesa farta do café, Cecília desbrava os campos e arredores da fazenda montada em seu cavalo predileto. O cheiro de mato verde, a brisa leve que soprava em seu rosto e a melodia suave dos pássaros parecia lhe ser aconchego para todos os aborrecimentos que vinha tendo com o seu pai.
Depois de algumas horas ali, ela retornou a fazenda.
- Cecília, você nem se quer tocou na comida, desse jeito não há de parar em pé.
- Se ela não quer comer não come, as vezes você mima demais essa menina Constância.
- Eu só me preocupo com ela Anísio.
- Eu sei que não vou perder esse assado que esta de lamber os beiços, de fato temos a melhor cozinheira de todos os arredores.
Anísio apesar de manter um postura firme de um fazendeiro, falar e escrever bem, entender como nenhum outro dos negócios da fazenda, tinha o péssimo hábito de falar de boca cheia e palitar os dentes ao final da refeições com os próprios dedos. Constância sempre comia depressa para se levantar da mesa antes que o marido, pois assim evitava presenciar aquelas cenas nada agradáveis.
- Mas afinal, há que horas esse tal advogado chega?
- O trem chegará ao final da tarde.
- E onde ele se hospedará?
- Aqui mesmo em nossa fazenda, temos muitos quartos vagos aqui. O filho de meu melhor amigo deverá ser tratado com toda pompa e luxo, não deixarei que ele se acomode naquele hotelzinho lá da cidade.
Por volta das três horas da tarde, debaixo da sombra fresca da mangueira, Cecília lia um livro de poemas quando ouviu uns assobios.
- Ah é você Carlito.
Carlito trabalhava na fazenda.
- O que foi que você ta desgostosa da vida Cecília?
- Não é nada demais não Carlito.
- Ora, mas como não. Lá do rancho que ouvi os gritos do vosso pai, vocês estavam brigando que eu sei.
- É, você sempre sabe de tudo não é Carlito, sempre preocupado comigo.
- Eu sempre te disse Cecília, eu gosto muito de você e...
- Não Carlito, não vamos entrar nessa conversa de novo.
- Tudo bem, mas me conta o que ta acontecendo?
- Meu pai está decidido a tomar aquelas terras, e eu não me conformo com isso. Tem pessoas carentes lá, que dependem dela pra sobreviver. Meu pai não entende isso, só pensa em lucros, dinheiro e mais dinheiro.
- Você é uma pessoa muito boa viu Cecília. Isso ai que vosso pai ta fazendo não e certo mesmo não, mas ele é o dono da fazenda e tudo isso aqui. E... se tiver alguma coisa que eu puder fazer pra te ajudar pode contar comigo.
- Obrigada Carlito, você é mesmo muito gentil.
- Posso te pedir só uma coisa?
- Pode.
- Não fica assim triste não. Essa tristeza toda não combina com a sua belezura não.
- Hora nenhuma desiste de me cantar não é mesmo Carlito – disse Cecília sorrindo.
- Ora, se é uma cantada eu não sei, mas que eu consegui tirar um sorriso do seu rosto eu consegui – disse Carlito.
O fim da tarde já se aproximava, e no casarão todos estavam apavorados.
- Troque este tapete Cândida. Coloque essa mesa mais pro canto. Esses livros pode colocar ali. Essa poltrona esta muito no centro. Os doces e bolos tem que estar todos na mesa do que jeito que eu falei, o chá não pode estar muito quente e nem muito frio, na temperatura ideal, coloque aquelas xícaras que lhe mostrei... – Constância estava desatinada com a arrumação do casarão para receber o tal advogado e estava levando a sua emprega Cândida também a loucura.
- Eu não sei o motivo de tanta correria assim, iremos receber apenas uma pessoa e não um rei!
- E você não vai se arrumar Cecília? Não demora o moço esta chegando, não podemos passar uma impressão ruim para o rapaz.
- A senhora parece estar mais animada do que o meu pai.
- O seu pai quer que esse rapaz seja muito bem recebido minha filha, imagine se vamos fazer feio para o filho de um amigo tão importante para vosso pai.
- Tudo bem mãe, mas a senhora bem sabe o que eu penso de tudo isso. Vou me arrumar apenas para não ser grosseira com o rapaz, que nada tem com a ganância de meu pai.
Eis que pouco tempo depois, foi possível ouvir o barulho do automóvel de Anísio chegando em direção a fazenda. O fazendeiro fez questão de pedir ao seu motorista Francisco que buscasse o advogado na cidade.
Na porta principal do casarão, a família aguardava o rapaz.
- Pensei que não chegaria nunca Dr. Aurélio! – exclamou Anísio que não hesitou em esconder a sua felicidade ao ver o advogado em terras suas.
- Ora senhor Anísio, a viagem da capital até aqui não é das mais breves – disse Aurélio cumprimentado o chefe da fazenda.
Um a um todos foram se apresentando a Aurélio.
Cecília foi a última da fila.
- E essa bela moça creio que é...
- Cecília! Sou a filha do coronel Anísio.
- Encantado! – disse o rapaz tocando levemente seus lábios em uma das mãos da moça. Era a forma com a qual um rapaz da época se dirigia a uma donzela quanto estes estavam se vendo pela primeira vez.
Naquele momento houve uma troca de olhares entre os dois que talvez eles mesmo jamais tiveram com uma pessoa em algum momento de suas vidas senão aquele ao qual estavam vivendo.
Carlito observava tudo de longe.
Depois de adentrar ao casarão, conhecer todos os cômodos e desfrutar das delícias preparadas por Cândida, o jovem Aurélio, teve sua primeira reunião no escritório da fazenda com Anísio.
- Eu quero que você resolva o mais rápido possível essa situação Aurélio, você foi muito bem recomendado por vosso pai.
- Precisamos ir com cautela senhor Anísio. As coisas não se resolverão assim do dia pra noite.
- Como assim?
- Lá na capital o meu pai me adiantou o caso, mas eu preciso saber um pouco mais, me aprofundar no assunto. Verificar os papéis, todas as documentações das terras, escrituras, também quero conhecer a fazenda, enfim...
- Ora eu achei que o doutor ia me ajudar a tomar de vez aquelas terras, que por sinal são minhas de direito.
- Eu vou ajudar em tudo o que for preciso senhor Anísio, pode ficar despreocupado que em breve as terras estarão novamente sob o seu comando.
- Assim espero.
Terminaram aquela conversa brindando com um vinho que pouco antes Cândida havia deixado na mesa do escritório.
Continua...